Setembro/2003

Meio Ambiente

Auditorias Ambientais  e de Certificação Ambiental - 
Responsabilidade Civil e Penal


Werner Grau Neto  
Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados


O Direito é, por definição, reflexo da vontade social. Instrumento de regulação da vida em sociedade, as leis e regulamentos legais devem pois orientar a conduta que a vontade social impõe aos cidadãos, estabelecendo as sanções aplicáveis àqueles que transgridem os limites impostos.

Assim, como é natural, o Direito refletirá a vontade social sempre com algum atraso. As estruturas sociais não permitem uma resposta imediata da Lei à vontade social.

Não é diferente no que toca ao Direito Ambiental. Desde as discussões havidas no âmbito do Clube de Roma, em 1968, até os dias atuais, o desenvolvimento da consciência social diante da questão ambiental produziu uma série de estudos, propostas, teses, movimentos e, em conseqüência, normas voltadas à garantia do respeito ao meio ambiente, sempre como resposta à manifestação - ainda que por vezes viciada ou distorcida - da vontade social.

Assim é que, de início, buscou-se orientar a localização de determinadas atividades e empreendimentos, criando-se em seguida os sistemas de licenciamento e fiscalização ambiental. Tais medidas encontram lugar no campo administrativo. Vale dizer, a noção que se adotou em nosso País, no início, era a de que ao Poder Público, na esfera administrativa, caberia o exercício dessa restrição à liberdade de atuação e intervenção antrópica sobre o meio ambiente.

A evolução dessa noção veio com a Lei nº 6.938, de 31.8.1981, a conhecida Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Tal Diploma Legal, para além de consolidar a forma e instrumentos de atuação do Poder Público no exercício do poder licenciatório e fiscalizatório, quebrou paradigma de nosso sistema jurídico. Trata-se da adoção, em matéria ambiental, da responsabilidade objetiva na esfera civil, ou seja, a responsabilidade cuja caracterização dispensa a demonstração de culpa do agente cuja atividade gera a ocorrência de um dano ao meio ambiente*. Essa modalidade de responsabilidade encontra aplicação rara em nosso sistema legal, voltada a casos específicos. A tradição de nosso Direito é da responsabilização mediante a demonstração de culpa do agente cuja ação ou omissão causa danos a terceiros.

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(*) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.

Assim, a referida Lei de Política Nacional do Meio Ambiente trouxe para o campo da lei a responsabilidade civil em matéria ambiental, aplicável, de acordo com o texto legal, ao poluidor que, direta ou indiretamente, causar danos ao meio ambiente ou a terceiros.

Objeto de acalorados debates à época, a Lei em questão trouxe consigo e foi interpretada como veículo de responsabilização das indústrias, empreendimentos e atividades causadores de danos ambientais. Não se falava, àquela altura, em responsabilidade de agentes outros eventualmente envolvidos nesse contexto.

Também inovou a Lei nº 6.938/81 ao afirmar que a causação do dano ambiental acarretaria também ao poluidor responsabilidade penal, cuja demonstração em Juízo atribuiu-se ao Ministério Público Federal e Estadual.

Ocorre que o texto legal não preencheu requisitos de formação e aplicabilidade necessários à esfera penal, uma vez que não tratou de estabelecer e especificar a tipificação penal. Para tentar sanar tal falha, em 18.7.1989, por meio da Lei nº 7.804, acrescentou-se o artigo 15-A ao texto da Lei nº 6.938/81. Assim dispunha tal texto:

Art. 15 - O poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou estiver tornando mais grave situação de perigo existente, fica sujeito à pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa de 100 (cem) a 1.000 (mil) MVR.

§ 1º - A pena é aumentada até o dobro se:

I - resultar:

A) dano irreversível à fauna, à flora e ao meio ambiente;

B) lesão corporal grave;

II - a poluição é decorrente de atividade industrial ou de transporte;

III - o crime é praticado durante a noite, em domingo ou em feriado.

§ 2º - Incorre no mesmo crime a autoridade competente que deixar de promover as medidas tendentes a impedir a prática das condutas acima descritas.

Ocorre que também essa redação deixou de atender aos requisitos antes deixados de lado, porque amplo, genérico e impreciso ao extremo o tipo penal criado. Atuando de forma sóbria e prudente, o Ministério Público, a essa altura agente já ativo na questão ambiental, deixou de dar aplicação efetiva e em larga escala a esse dispositivo penal.

Paralelamente a esse fervilhar de questões legais, tomava corpo no Brasil a atuação de agentes outros na questão ambiental, tais como as Organizações Não-Governamentais - ONGs. Ao mesmo tempo, e mais notadamente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92, os órgãos legislativos e normativos criaram o arcabouço de normas ordinárias necessárias à implementação de um sistema multifacetário, no qual convivem o exercício do poder licenciatório e fiscalizatório, pelos entes públicos, e o conceito da responsabilização civil objetiva.

Métodos outros, que não a lei, assumiam força no contexto social como instrumentos de adequação da atividade antrópica à proteção ambiental. A competitividade do mercado, a pressão do consumidor e, em alguns países como o Brasil, a febre de fusões e aquisições e privatizações, entre outros elementos, e em momentos distintos, mas não por demais afastados, impuseram o desenvolvimento desses métodos outros de adequação da atividade antrópica à proteção ambiental. Dentre esses métodos, destaca-se o mercado e suas regras. Diante da clara manifestação social de necessidade de proteção ambiental, passou o mercado a exigir conduta pró-ativa do meio empresverdana, que por sua vez viu na questão oportunidade para criar diferenciais competitivos de mercado.

Eis o ponto em que a figura do auditor assume posição de fundamental importância no cenário ambiental: é ele, o auditor, o responsável pela coleta de informações que, em tal momento, orientam decisões corporativas da mais alta importância, e destacam determinadas empresas no cenário competitivo, tudo ao largo do controle rígido da lei.

Surgiram, assim, os métodos e meios de mercado de controle ambiental, tais como as auditorias ambientais e os procedimentos de certificação ambiental. Tais métodos e meios de controle, como não poderia deixar de ser, não encontravam à época de sua criação reflexo legal. O reflexo da vontade social (e do mercado) não reverberou de imediato na produção legislativa, conforme já se destacou aqui ser o que sempre ocorre. Somente nos últimos anos é que a produção legislativa, em nosso país, passou a ocupar-se de tais aspectos.

O ponto central a ser identificado, e que motiva o exame dos riscos civis e penais a que HOJE está sujeito o auditor, é exatamente este: a criação de regras de mercado, ainda que vitais no espaço competitivo, não contam com o elemento que diferencia as regras legais: a imposição de sanções àquele que as transgride. Assim, com o surgimento das normas legais ambientais que, de alguma forma, disciplinaram a atuação do auditor, criando e disciplinando as responsabilidades deste, é que se passou a dar ao tema o enfoque aqui emprestado.

Novo impulso legal veio em 13.2.1998, quando foi publicada a Lei nº 9.605. Conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, tal texto legal trata ainda, e em forte sentido, da questão da responsabilidade administrativa, que tratou de moldar aos tempos atuais, corrigindo pequenas falhas ou já desvios de que padecia o texto original, posto na Lei nº 6.938/81.

No que toca à esfera penal, a Lei corrigiu a falha até então existente, preenchendo todos os requisitos de validade, eficácia e aplicabilidade da responsabilidade penal em matéria ambiental.

A responsabilidade penal do auditor surge nesse ponto, trazendo consigo a conscientização de que também na esfera civil pode o auditor responder. O aspecto curioso dessa constatação é que a responsabilidade do auditor, em matéria civil, é aspecto que desde 1916 (data de promulgação do antigo Código Civil, hoje substituído pelo Código Civil em vigor desde 11.1.2003) já encontrava respaldo legal, não merecendo, no entanto, real atenção por parte dos agentes operadores de tal mercado. Apenas com o estabelecimento da responsabilidade penal é que se passou a cuidar com mais atenção também da questão da responsabilidade civil em matéria ambiental.

Tome-se pois de início, aqui, o aspecto penal: o artigo 2o da Lei nº 9.605/98 é que trouxe a previsão da responsabilidade penal ambiental para o auditor, entre outros agentes operadores e integrantes do circuito ambiental. Assim determina o texto legal:

Art. 2º - Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Conforme se vê, responderá o auditor criminalmente quando, por força do exercício de seu ofício, tomar conhecimento de informações, fatos, condutas e/ou práticas que possam caracterizar a prática de crime ambiental por aquele submetido à auditoria. Ciente o auditor dessas informações, fatos, condutas e/ou práticas, caberá a ele adotar, na forma da lei, as medidas necessárias a seu alcance para evitar a ocorrência efetiva do crime de que se cogita, conduta esta única apta a isentar o auditor de responsabilidade.

Quais seriam, então, tais medidas necessárias e ao seu alcance para evitar a efetiva ocorrência do crime pelo auditado ou terceiro? A resposta está longe de ser simples, uma vez que não pode o auditor desrespeitar a confidencialidade via de regra estabelecida nos contratos firmados com o auditado, ao mesmo tempo em que sua conduta deve ser pontual e definitiva.

O que nos parece é que ao auditor, diante de tal situação, cabe notificar o auditado para os termos do citado artigo 2o da Lei nº 9.605/98, fazendo-o de forma independente do relatório de auditoria produzido, sem prejuízo de eventualmente fazê-lo no corpo do relatório de auditoria, caso tal conduta não encontre vedação, ainda que não expressa, no contrato firmado com o auditado.

A forma, momento e teor de tal notificação, e até mesmo se seria este o veículo adequado à proteção dos interesses e direitos do auditor, são pontos ainda sujeitos a acalorados debates.

O mesmo se aplica à questão civil. A proteção dos interesses do auditor perpassa todas as fases do trabalho que realiza, desde sua contratação e até após a entrega do relatório a ser produzido por conta do trabalho de auditoria realizado.

Mais ainda, discute-se no que toca à esfera civil os efeitos das recomendações formuladas pelo auditor ao auditado, notadamente no que toca aos efeitos da adoção dessas recomendações diante dos parâmetros legais e de mercado reguladores da atividade sob exame.

Nesse estado de coisas, longe de ser uma atividade isenta de riscos, a auditoria ambiental, seja de certificação ou não, comporta uma vasta gama de riscos ao auditor, que deve ter estabelecidas e insertas em sua relação com o auditado um sem número de regras contratuais que o protejam tanto civil quanto criminalmente. Esse o ponto sob debate, e que merece e impõe reflexão.


 

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