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Janeiro/2003

ISO 9000:2000

A AÇÃO CORRETIVA É APENAS MAIS UM PROCEDIMENTO?

Denise E. Robitaille
Presidente da Robitaille Associates (EUA)

Ação corretiva: é um processo, como muitos outros processos que compõem o típico Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ). Em essência, a subseção 8.5.2, Melhorias - Ação Corretiva, da ISO 9001:2000, possui entradas e saídas, responsabilidades definidas, seqüência lógica, relação com outros processos, metodologia para verificação e requisito para retenção de registros. A ação corretiva é mais um processo do SGQ especificado pela ISO 9001 e destinado a assegurar a coerência e eficiência dos processos da organização e de seus produtos.

Quem dera fosse assim tão simples na maioria das organizações. Infelizmente, a ação corretiva não é vista sob a mesma luz de outros processos do SGQ, nem submetida às mesmas normas de controle e coerência. O problema é que, em muitos casos, quando uma organização inicia a jornada rumo à certificação baseada na ISO 9001, seu consultor lhe diz invariavelmente: "Faça o que diz; diga o que faz". Esse é o mantra do projeto de implementação e certificação - e também o sobressalente sempre, que um funcionário fica amarrado tentando resolver como documentar seu procedimento.

O perigo é que a compreensão equivocada do que seja a ação corretiva e de como ela se relaciona com o restante do SGQ, e não simplesmente a falta de um procedimento eficaz de ação corretiva, possa resultar num sistema de gestão ineficaz. A Tabela 1 descreve a relação da subseção 8.5.2 com as outras seções e subseções da ISO 9001:2000 e, conseqüentemente, com os processos críticos do SGQ da organização. Essa tabela, sob uma lógica muito real, demonstra a importância de se implementar um procedimento conforme e eficaz de ação corretiva. Ela também tem a capacidade de aumentar suas interações em todo o SGQ. A pergunta, na verdade, é: o que a maioria das organizações pensa sobre a ação corretiva e do que elas realmente necessitam?

 

Ação Corretiva Numa Organização Típica

Para responder à pergunta acima, será útil compreendermos o que a maioria das organizações já possui. Gostaria de explorar aquilo que realmente acontece numa organização típica que busca a implementação e certificação do SGQ, e pediria a você que verifique se alguma coisa lhe parece familiar. Antes do lançamento do projeto ISO 9001, uma organização típica possuía muitos processos que não eram documentados, com lapsos de controle proporcionais. Projetos, aquisições, cotações, calibrações etc eram todos conduzidos visando-se qualquer nível de uniformidade e coerência que satisfizesse as necessidades do dia (mas não necessariamente dos clientes externos e internos) e o capricho dos gerentes.

Assim que o SGQ tomou forma, os procedimentos baseados na ISO 9001 foram escritos, aprovados e distribuídos. Os donos de processos se irritaram com as restrições das novas formas, a maior responsabilidade e o olhar não familiar dos auditores internos que surgiam com o sistema certificado; mas, na verdade, isso tudo não era tão ruim assim. Afinal, era apenas uma reformulação de protocolos, autorizações e requisitos que haviam estado por muito tempo embutidos em documentações espalhadas por toda a organização, incluindo:

  • Descrições de tarefas

  • Gráficos organizacionais

  • Orçamentos

  • POPs (procedimentos operacionais padrões)

  • Manuais

  • Desenhos

  • Especificações de clientes

  • Contratos

  • Normas do setor

  • ... E consenso comum.

Assim sendo, se a ação corretiva também é um processo, por que é tratada diferentemente de todos os outros que eram conduzidos nos dias anteriores à ISO 9001? (Há algumas organizações certificadas pela ISO 9001/2:1994 que, apesar de todos os procedimentos documentados, continuam tratando esse processo como se fosse algo externo aos negócios regulares da empresa).

O que acontece com a ação corretiva que a deixa de lado? Conforme observado anteriormente, ela manifesta todos os ingredientes típicos de um processo: entradas, saídas, verificação etc. As pessoas identificam os problemas, combatem esses problemas, tentam compreender o que aconteceu - e determinam o por quê. Para controlar melhor uma operação, elas mudam algumas regras, recriam processos ou desenvolvem outros. Então, fazem verificações aleatórias - talvez esporádicas - para ter certeza de que as coisas continuam bem.

Por que, então, esse processo é tratado como um estranho intruso no sistema de gestão? O que aconteceu com o "Faça o que diz; diga o que faz"? Na verdade, essa frase não funciona quando se trata de ação corretiva, pois muito do combate aos problemas não é apresentado ou divulgado. A ação corretiva é vista como uma circunstância extraordinária, sendo, portanto, tratada como uma anomalia não-planejada. Afinal, os procedimentos normais do seu SGQ se destinam a garantir o bom desempenho das ações, resultando no atendimento às especificações do cliente, e você não gostaria que a ação corretiva parecesse algo que precisa ser feito regularmente para atender a essas especificações.

Em outras palavras, as empresas e todas as outras organizações trabalham sob o pressuposto de que tudo deveria sempre dar certo. São relutantes em admitir que, algumas vezes, as coisas dão errado. Para elas, desenvolver e documentar um processo de ação corretiva é equivalente a admitir falibilidade.

A conseqüência dessa concepção errada é que um dos processos-chaves do SGQ termina:

  • indefinido;

  • infundado;

  • descontrolado;

  • muitas vezes, não registrado; e

  • essencialmente órfão.

 

Implementando um Procedimento de Ação Corretiva Eficaz


Utilizando-se o mesmo critério estabelecido para outros processos, deve-se desenvolver e documentar o procedimento de ação corretiva de forma que seja um reflexo das práticas atuais. Contudo, esteja ciente de que, muitas vezes, as organizações terminam com um procedimento "enlatado" por se supor que está sendo adicionado algo novo ao SGQ. Costumo chamar esses procedimentos de "eliminados", sendo que o que é eliminado é a responsabilidade pelo que o procedimento documentado diz. A maioria das pessoas compreende, em certo grau, o que acontece quando um produto não-conforme precisa ser reparado, sendo que muitos confundem a correção de um defeito no produto com os procedimentos de ação corretiva.

Na realidade, as pessoas geralmente têm uma pequena idéia do que significam seus procedimentos de ação corretiva ou de como eles devem ser quando estão bem implementados, incluindo a eliminação resultante de uma não-conformidade. Essa confusão não significa necessariamente que a ação corretiva seja uma nova idéia; aliás, quando as organizações abandonarem essa idéia de que a ação corretiva é alguma nova invenção dos gurus da ISO 9000, então elas começarão a ver a loucura de se usar um procedimento genérico para definir e controlar seus processos.

A substância do procedimento documentado deveria se originar das reais práticas da organização. Embora haja certos requisitos da subseção 8.5.2 que possam exceder o procedimento atual de ação corretiva da organização, o objetivo do procedimento revisado deve ser descrever atividades que sejam reconhecidas pelos usuários, sem se mudar o que já existe, a menos que seja necessário. Haverá também uma variação considerável entre as organizações quanto à maneira de se atender a alguns dos requisitos da ISO 9001 sobre ação corretiva, tornando inviável para uma organização medir sua conformidade comparando seus procedimentos com os de uma outra organização.

Essas variáveis deverão ser levadas em consideração para se assegurar a conformidade com a ISO 9001 (mesmo que elas não precisem ser mudadas). Que tipos de variáveis poderão aparecer nos procedimentos de ação corretiva de diferentes organizações? Elas podem incluir:

  • Quem é responsável pelas SACs (solicitações de ações corretivas);

  • Diferenças na forma de se lidar com as não-conformidades de processos e produtos;

  • Critérios para se dar início a uma SAC;

  • Como e quando são emitidas SACs para os fornecedores (isso pode surgir como resultado de se reavaliar os fornecedores durante algum tempo);

  • A relação entre SACs e MDs (mercadorias devolvidas, que podem ser produtos não-conformes);

  • A relação entre SACs e reclamações de clientes;

  • Fluxo do processo;

  • Formulários;

  • Comunicação;

  • Métodos de verificação;

  • Liquidação de não-conformidades;

  • Treinamento;

  • Retenção de registros;

  • Análise de não-conformidades e ações corretivas para a análise crítica pela direção.


A ISO 9001:2000 está repleta de requisitos reais e implícitos para documentação e implementação de ações corretivas. Mas, em vez de ver esses requisitos como algo arbitrário, as organizações deveriam abordá-los como ferramentas que facilitam a definição e o controle de uma boa prática administrativa.

É essencial que as organizações internalizem o conceito de ação corretiva como mais um processo dentro do sistema de processos interligados. A Tabela 1 apresenta uma ilustração da relação entre o programa de ação corretiva e o restante dos processos do SGQ. Ela demonstra que esse programa, na verdade, faz parte de uma aplicação eficaz das iniciativas de melhoria contínua.

Percorrendo-se alguns dos requisitos da ISO 9001:2000, é fácil reunir as informações necessárias para se entender o processo e convertê-lo em um bem organizacional valioso para se administrar problemas e realizar melhorias.

Tabela 1. Relação do Processo AC com os Requisitos da ISO 9001:2000

Requisito da Seção/Subseção... Relação do Processo de Ação Corretiva com o SGQ

A organização deve...

 

4.1a)Sistema de Gestão da Qualidade – Requisitos Gerais: “identificar os processos necessários para o sistema de gestão da qualidade...”
4.1b)“determinar a seqüência e interação...”
4.1c)“assegurar que a operação e o controle desses processos sejam eficazes, ...”
4.1d)“assegurar a disponibilidade de recursos ...”
4.1e)“monitorar, medir e analisar ...”

 

Esses são os requisitos gerais para todos os processos, os quais seguem o modelo de abordagem de processo. Começa-se identificando que a ação corretiva (AC) é um processo de gestão da qualidade. Em seguida, deve-se definir a maneira como o processo AC interage com outros processos (ex.: auditorias internas e controle de produtos não-conformes). Essa interação impulsiona o estabelecimento de critérios para se assegurar que o processo AC seja eficaz (ex.: É um mecanismo produtivo para lidar com problemas não abrangidos durante as auditorias?). Para se alcançar esse objetivo, a direção deve se comprometer em fornecer os recursos necessários para assegurar a eficácia do processo AC - treinamento para auditores, tempo para se conduzir auditorias, programas de computador para ajudar a controlar processos, etc. Finalmente, a organização deve selecionar uma metodologia para monitorar e analisar seu programa AC, a fim de avaliar sua contribuição para a realização das metas e objetivos da empresa.
Isso lhe dará o esqueleto para o seu processo AC.

4.2.4 Controle de Registros: “prover evidências da conformidade com requisitos e da operação eficaz do sistema de gestão da qualidade”.

A organização deve decidir quais registros são apropriados e significativos e qual o método de retenção será usado. Mais uma vez, um pouco de reflexão tornará essa atividade significativa e produtiva. O que a sua organização está registrando e quais valores ela possui? Por exemplo, os registros das ações corretivas de fornecedores podem ser utilizados como parte das avaliações de desempenho. Você também desejará registros que lhe permitam monitorar as tendências e determinar o retorno sobre investimento (RSI) do SGQ e/ou processo AC.

5.5.1 Responsabilidade da Direção – Responsabilidade e Autoridade: “... assegurar que as responsabilidades são definidas ...”

Uma das falhas mais comuns de um processo AC é a falta de definição adequada de responsabilidades. Em geral, supõe-se que o representante da direção ou o gerente da qualidade devem manipular o programa, o que é apropriado. Contudo, quando há mais propensão para ocorrerem problemas é quando se dá pouca atenção às SACs e à seleção de indivíduos para implementar o plano AC.

5.5.3 Comunicação Interna: “que seja realizada comunicação relativa à eficácia do sistema de gestão da qualidade”.

Um bom programa AC é uma ferramenta de comunicação maravilhosa e um mecanismo excelente para se atender, pelo menos, parte desse requisito. Durante a análise de causas raízes e enquanto o plano estiver sendo desenvolvido, será necessário comunicar-se com indivíduos de várias funções que recebem impacto. A questão é que o modelo de abordagem de processo somente funciona se houver comunicação entre os fornecedores internos e os clientes. Em todo o processo de implementação, há inúmeras oportunidades para intercâmbio com indivíduos responsáveis pelo controle de documentos, pela tecnologia de informações, pela programação, pelos recursos humanos, pelo serviço de atendimento ao cliente, etc.

5.6.2d) Análise Crítica pela Direção – Entradas para a Análise Crítica: “situação das ações preventivas e corretivas, ...”

A subseção 5.6.2d) claramente direciona a organização para o uso de registros gerados de ação corretiva e ação preventiva, como entrada para o processo de análise crítica pela direção. A direção deve usar essas informações para tomar outras decisões referentes à melhoria do SGQ, incluindo o processo AC.

6.2.2b) Gestão de Recursos – Competência, Conscientização e Treinamento: “fornecer treinamento ou tomar outras ações ...”

Embora esse requisito em particular seja direcionado para garantir a qualidade do produto, seria razoável incluir atividades relacionadas com a abordagem de problemas que causem impacto sobre a capacidade de se atender aos requisitos do produto. Fornecer treinamento aumenta a produtividade e a eficácia das ações corretivas - como acontece com qualquer processo. Deixar de treinar pessoas chaves mesmo em simples rudimentos, como o preenchimento de formulários de SACs, tolhe o processo e frustra aqueles que estão tentando usar o SGQ.

8.2.3 Medição, Análise e Melhoria - Medição e Monitoramento de Processos: "... métodos adequados para monitoramento e ... medição dos processos do sistema de gestão da qualidade".

A seção 8.2.3 aponta o caminho para a análise de registros do SGQ, que tornarão os dados significativos para a direção. O que você ou a direção deseja saber sobre esse processo? Como você ou a direção avaliará o processo? Algumas das coisas que você poderá considerar a possibilidade de medir, referentes ao processo AC, são: número de SACs relacionadas com o fornecedor, número de SACs iniciadas como resultado de auditorias internas, recursos (dinheiro) gastos na implementação de planos de ação (como medida de RSI). Que dados você coletará para assegurar-se de que esse processo é um bem para a organização? Sua organização deve ser capaz de responder a cada uma dessas perguntas quanto ao processo AC.

8.5.2 Ação Corretiva

A subseção sobre AC estabelece a necessidade de se definir um processo AC em um procedimento documentado. (Pode implicar na criação de formulários, manuais de treinamento e banco de dados para facilitar o controle e a coerência). Distingue-se por ser um dos seis procedimentos documentados que são especificamente exigidos pela ISO 9001:2000, o que é um indício da sua importância. Tendo-se em mente a variedade de pessoas que se espera participar desse processo, é muito importante que o procedimento seja documentado de forma que apresente uma seqüência compreensível de eventos, que possam ser compreendidos por indivíduos de várias funções diferentes com níveis variados de educação.

A ISO 9001:2000 expõe claramente os requisitos únicos desse processo em particular. São eles:

  • Analisar criticamente as não-conformidades, incluindo reclamações de clientes - Essa é, na verdade, uma ótima ferramenta para se lidar com as reclamações de clientes, quer estejam relacionadas com o produto, os defeitos e a entrega ou com os problemas de prestação de serviço. Essa ferramenta pode ser usada também como uma ferramenta de gestão, para se demonstrar aos clientes a capacidade de fornecer respostas rápidas e eficientes, caso surjam problemas.

  • Determinar a causa - Essa é a análise de causas raízes. O benefício de se realizar uma boa análise de causas raízes é que os participantes ampliam sua compreensão de como funcionam os processos inter-relacionados, conforme afiam suas habilidades para solução de problemas. Uma boa investigação pode também revelar problemas existentes e potenciais em atividades associadas ou processos semelhantes, podendo ocasionar uma ação preventiva.

  • Avaliar a necessidade de ação - Deve-se prestar atenção a esse requisito. Sua implicação é que deve haver critérios ou uma metodologia para se decidir quando aplicar um plano AC. O uso excessivo do processo SAC pode ser, em si mesmo, uma não-conformidade, pois sugere uma alocação equivocada de recursos.

  • Determinar e implementar ações - Assim como a análise de causas raízes, essa ferramenta dá a oportunidade de se compreender melhor o SGQ com sua miríade de interações interfuncionais. Ela também exige donos de processos para desenvolver um plano de implementação. Essa é não apenas uma boa prática administrativa, mas também tem o valor de convencer a direção do valor da AC, demonstrando o trabalho e a atenção dedicados à sua aplicação.

  • Registrar os resultados da ação executada - Essa é uma reiteração dos requisitos encontrados na subseção 4.2.4. Exige-se que a organização verifique a eficácia da AC, registrando os resultados.

  • Analisar criticamente as ações corretivas executadas - Essa é uma referência específica ao requisito já mencionado sob o título Análise Crítica pela Direção.

 

O QSP tem posto à disposição das empresas interessadas uma série de atividades relacionadas à ISO 9001:2000, entre as quais destacam-se: