Junho/2004

Sistemas de Gestão

VOCÊ ESTÁ PREPARADO PARA A AUDITORIA DE MELHORIA CONTÍNUA?

J.P. Russell (Consultor, EUA)

Algumas normas para sistemas de gestão vêm exigindo que as organizações melhorem continuamente seus sistemas. Isso é admirável. Talvez essa exigência de melhoria contínua (estratégia empresarial bastante requisitada) seja a chave para uma implementação eficaz. Afinal, muitas organizações vêm buscando a melhoria contínua desde a publicação dos 14 pontos de Deming, no início dos anos 80, voltados para uma melhoria interminável.

Atualmente, normas como a ISO 9001:2000 e a ISO 14001:1996 e especificações técnicas (TSs) como a TS 16949:2002 exigem a melhoria contínua. Na verdade, quando você ler este artigo, o prazo final para a transição da ISO 9001 já terá expirado, e a maioria das organizações com sistemas de gestão da qualidade (SGQs) em conformidade com a ISO 9001 e/ou certificados pela norma estarão voltando seu foco para a melhoria contínua e o aumento da satisfação dos clientes.

Contudo, muitos da comunidade ISO têm se posicionado contra a exigência de melhoria para organizações regulamentadas. Esse é um terreno inexplorado para as normas de sistemas de gestão e aposto que muitas organizações reguladoras (ex.: Ministério da Saúde e Departamento de Aviação Civil) não sabem realmente como aplicar os requisitos de melhoria contínua. É um desafio que talvez muitas organizações tenham de enfrentar para manter a conformidade com a ISO 9001 e outras normas.

Lembre-se de que uma norma é um conjunto de asserções. Não há limites quanto à quantidade ou tipo de asserções feitas em uma norma, nem a exigência de que se estruturem asserções aplicáveis ou verificáveis. Um teste que eu uso para determinar a viabilidade de um requisito é verificar uma evidência inequívoca que exija a emissão de uma não-conformidade. Uma boa pergunta para os auditores - e para os responsáveis pela implementação e manutenção do sistema de gestão - fazerem nesse caso é: "Quando é justificável emitir uma não-conformidade por falta de melhoria contínua?"

Uma outra pergunta poderia surgir em relação à conformidade: "O que constitui melhoria contínua?" Por exemplo, os auditores devem abordar as seguintes situações possíveis:

  • Se a organização alterou um de seus procedimentos no ano anterior, eliminando uma das etapas do processo, isso se qualifica como uma melhoria contínua?
  • Se a organização alterou um de seus procedimentos no ano anterior, adicionando uma etapa ao processo para reduzir o risco de não-conformidade, isso se qualifica como melhoria contínua?
  • Se na reunião de análise crítica a direção registrou que houve melhoria no ano anterior, isso se qualifica como uma melhoria contínua?
  • A conclusão de ações corretivas e preventivas significa automaticamente que houve melhoria contínua?
  • A redecoração de uma loja no ano anterior - e a possível melhoria na satisfação dos clientes resultante - significa que houve melhoria contínua?
  • A redução dos limites de especificação dos parâmetros de um produto, realizada neste ano, atende à exigência de melhoria contínua da eficácia do sistema de gestão?

Dados os exemplos acima, pode ser que a decisão do auditor quanto à conformidade ou não-conformidade pareça subjetiva. Por isso, é necessário preparar auditores que se envolvam em um processo de auditoria de melhoria contínua que demonstre objetividade para a organização e forneça resultados objetivos.

Você já deve ter ouvido bastante sobre a necessidade de mudar a abordagem baseada em elementos para uma abordagem baseada em processos; porém, o que a sua organização terá de adotar daqui para a frente é uma abordagem baseada na melhoria contínua, que chamo de auditoria de melhoria contínua (CIA - continual improvement auditing). O acrônimo CIA nos lembra um certo órgão governamental americano, responsável pela coleta de informações secretas - o que não poderia ser uma analogia inadequada, pois os auditores de SGQ também devem estar envolvidos na coleta de informações secretas referentes aos processos da organização, inclusive informações que levem à melhoria contínua. Quem sabe, aprendendo mais sobre a CIA, você agregue mais valor ao programa de auditoria e ao SGQ da sua organização.

O Que é Melhoria?

A ISO 9000:2000, Sistemas de gestão da qualidade - Fundamentos e vocabulário, seção 3.2.13, define "melhoria contínua" como "atividade recorrente para aumentar a capacidade de atender requisitos". Abaixo da definição, uma NOTA declara que o processo de melhoria contínua estabelece objetivos e identifica oportunidades para melhoria "através do uso das constatações da auditoria, conclusões da auditoria, análise de dados, análises críticas pela direção" e assim por diante, o que geralmente resulta em ação corretiva ou ação preventiva. Poderíamos interpretar essa definição dizendo que a conclusão de ações corretivas e preventivas, que aumenta a capacidade da organização em atender requisitos, constitui-se melhoria contínua.

Na minha opinião, essa interpretação é uma visão muito limitada do que realmente significa alcançar a melhoria contínua. Na verdade, uma organização pode cair fora dos negócios ou se tornar insolvente enquanto procura constantemente aumentar sua capacidade em atender requisitos sem cogitar as implicações financeiras. Segundo o Dicionário Unabridged Merriam-Webster, no site www.Merriam-Webster.com, acessado em 2 de dezembro de 2003, to improve significa "melhorar em termos de valor ou qualidade: tornar mais lucrativo, excelente ou desejável". A palavra "valor" se destaca, pois combina com a estratégia que consiste em agregar valor à organização. A direção deseja que sua organização seja mais valiosa e mais competitiva e, para permanecer competitiva, ela precisa de melhoria contínua.

Na prática, é muito difícil e artificial limitar a melhoria contínua à capacidade de atender requisitos. Acredito que se deveria utilizar uma definição mais holística para o termo, como:

Melhoria contínua é um processo de mudanças continuadas que agregam valor à organização. (Russel, J.P., Continual Improvement Assessment: Promoting and Sustaining Business Results, Quality Press, 2004, Milwaukee WI).

Isso significa que melhorar consiste em aumentar o valor da organização. Se a organização não se encontra em melhores circunstâncias, então não houve melhoria. Essa idéia focaliza uma de minhas maiores preocupações no que se refere a programas de ação corretiva. Já auditei inúmeras ações corretivas que não resultaram em melhoria para a organização. A maioria das ações corretivas se limita a deter o problema por meio de segregação, retrabalho ou reposição, ou agregam custo e complexidade aos processos por meio da duplicação ou inclusão de mais etapas de verificação.

É importante que as organizações se beneficiem com seus esforços de melhoria e não aceitem menos eficácia e eficiência.

Tendo abordado o que significa melhoria, é necessário agora responder qual é a principal característica da melhoria. Auditar com vistas à melhoria contínua é diferente de verificar requisitos especificados em uma norma. Verificar se um procedimento existe e é seguido, se foram realizadas reuniões ou se existem registros é fácil. Contudo, pode ser que o SGQ não exija procedimentos ou registros de melhoria contínua que possam ser analisados formalmente.

Sabemos que um processo definido opera dentro de uma certa amplitude ou com um certo grau de variação. Os resultados finais de todos os processos variam, mas a quantidade de variação difere de processo para processo. Um processo irá operar dentro de certos limites inferiores ou superiores de controle (LICs e LSCs), desde que o processo definido e o ambiente de trabalho ou ambiente operacional permaneçam iguais.

É importante entender que a melhoria de um processo não pode ser sustentada trabalhando-se com mais diligência. O que precisa acontecer então para que haja melhoria de um processo (sistema)? O que precisa acontecer para que o nível de variação de um processo seja reduzido? Mudança. A principal característica da melhoria é a mudança.

Elegantes gráficos mostrando os benefícios da melhoria são irrelevantes se não houver mudança do processo ou sistema. Mudança é a característica mais importante que os auditores, avaliadores e examinadores podem avaliar para verificar se houve melhoria. Se não houver mudança, os eventos continuarão se repetindo. Se não houver mudança no sistema ou no processo, não haverá melhoria.

Tipos de Melhoria

Talvez sua organização consiga empreender uma grande variedade de projetos e ações de melhoria. Atividades de melhoria são iniciadas por diversos motivos, podendo ou não beneficiar a organização. Portanto, seria útil classificar as melhorias em três tipos: necessárias, valiosas e superficiais. O auditor poderá registrar os tipos de melhoria existentes em uma unidade, área, departamento ou em toda a organização. A Tabela 1 dá um exemplo de formulário que pode ser usado para registrar o tipo de melhoria proporcionado por um determinado projeto.

 

Tabela 1. Tipos de Melhoria

Projeto# 

Tipo de melhoria

-
- A melhoria necessária serve para prevenir deterioração ou atender a requisitos legais, regulamentares e contratuais (ex.: atender a um requisito de SST referente à altura de uma grade, responder a uma intimação devido a uma não-conformidade, repintar uma superfície para protegê-la ou reparar um vazamento de água). -
- A melhoria valiosa aumenta o valor (serviço ou produto mais coerente, menos variação em um processo, novo equipamento resultando em maior eficiência, mudanças de software, cimentação de calçada, ampliação de instalações etc). -
- A melhoria superficial simplesmente acrescenta qualidades estéticas, conforto ou beleza (música ambiente, nova combinação de cores para placas, uso de plantas incomuns na ornamentação). Os benefícios podem ser intangíveis e subjetivos. -


Melhoria necessária

Uma melhoria necessária poderia ser o resultado de uma constatação de auditoria interna ou externa ou de atividades que garantam a conformidade da organização. Infelizmente, muitas ações de melhoria caem nessa categoria. Isso significa que as organizações podem estar gastando muito tempo reagindo a requisitos legais, normativos e contratuais, e pouco tempo agindo sobre as melhorias valiosas. Muitas soluções para não-conformidades são de natureza corretiva e inadequada, de forma que os problemas tendem a se repetir.

Deve-se desafiar as organizações a identificarem problemas no sistema como resultado de uma não-conformidade ou de uma possível não-conformidade,  e a executarem ações para prevenir sua recorrência ou ocorrência. Com demasiada freqüência, supõe-se que a correção ou prevenção de uma não-conformidade não possui qualquer benefício para a organização, o que nem sempre é o caso. Algumas ações necessárias podem agregar valor à organização, como também ajudá-la a evitar as conseqüências de uma não-conformidade. As ações necessárias são consideradas não-arbitrárias.

Melhoria valiosa

Uma melhoria valiosa poderia ser o resultado de idéias que solucionem um problema de desempenho ou uma questão relacionada com o cliente, ou que ajudem a alcançar objetivos organizacionais. Pode ser tanto pró-ativa como reativa. Normalmente, espera-se que os resultados finais dessas ações de melhoria agreguem valor à organização, pois o uso de recursos é arbitrário e precisa ser justificado para a direção.

Essas ações podem ser corretivas, preventivas ou inovadoras. Antes de implementar a solução, a equipe de melhoria pode utilizar ferramentas de ação preventiva, como a Análise de Modos de Falha e Efeitos (FMEA), para identificar e eliminar possíveis problemas.

Melhoria superficial

Uma melhoria superficial poderia ser o resultado de uma estratégia organizacional, preferência pessoal ou solicitação. A organização não passa a valer mais ou se torna mais competitiva como resultado desse tipo de melhoria. Além disso, uma melhoria superficial não deveria contar como meio de se alcançar as metas de melhoria contínua do SGQ.

A classificação é importante para que a direção tenha uma visão clara das atividades de melhoria contínua que a organização está realizando. Por exemplo, vários departamentos podem registrar diversas melhorias cada um, e muitas delas serem remediadoras, não contribuindo para a melhoria contínua; enquanto um departamento pode registrar uma única melhoria, que seja a única melhoria contínua real que contribuirá para a eficácia do sistema. Assim, os auditores podem contribuir para os esforços de melhoria contínua apontando ações que sejam valiosas e indicando todas as outras que não são.

Tipos de Ações

As ações de melhoria também podem ser caracterizadas como remediadoras, corretivas, preventivas ou inovadoras. A natureza da ação é normalmente determinada por um gerente da área ou uma equipe de melhoria. A Tabela 2 define esses quatro tipos de ações de melhoria contínua e indica as que são de natureza reativa ou pró-ativa.

Tabela 2. Tipos de Ações
Ação Remediadora ou de Contenção (correção): Ação executada para aliviar ou conter um problema, uma não-conformidade ou uma situação indesejável (reativa). Eis alguns exemplos: retrabalho, reclassificação, segregação, reparo, rejeição, reposição e desconto. 
Ação Corretiva: Ação executada para eliminar a(s) causa(s) de um problema, de uma não-conformidade ou de uma situação indesejável (reativa). Ação executada para evitar recorrência.
Ação Preventiva: Ação executada para eliminar a(s) causa(s) de um possível problema, de uma possível não-conformidade ou de uma possível situação indesejável (pró-ativa). Ação executada para prevenir ocorrência.
Ação Inovadora: Ação executada para alterar um processo ou sistema a fim de atender melhor aos objetivos (ex.: maior lucratividade, custo mais baixo, índices de satisfação de cliente mais altos). As ações inovadoras podem requerer a modificação de processos, produtos ou serviços ou a implantação de novos processos, produtos ou serviços (pró-ativa).

Os auditores devem caracterizar os tipos de ações executadas. Se os gerentes forem conscientizados quanto aos tipos de melhorias existentes - inclusive se são reativas ou pró-ativas - e aos tipos de ações usados, poderão gerenciar e sustentar melhor os esforços de melhoria.

Uma melhoria pode ser simples, como alterar um método ou processo, ou mais complicado, exigindo um investimento de capital. Convém que as ações de melhoria sejam avaliadas uma a uma pelos auditores. Normalmente, não é necessário um plano de amostragem, a menos que haja centenas de projetos de melhoria. Os resultados da verificação das ações de melhoria de uma organização proporcionarão as informações necessárias para o relatório de avaliação. Primeiramente, deve-se relatar essas informações em uma reunião de fechamento às pessoas da área auditada e, posteriormente, em um relatório formal e/ou em uma apresentação feita à alta direção.

A auditoria com vistas à melhoria contínua deve ser uma rotina, pois a direção necessita dessas informações continuamente. Na verdade, nem é preciso esperar pelas auditorias internas. Deve-se incentivar os donos de processo a conduzir auto-avaliações; para tanto, precisarão de treinamento para conduzir auto-avaliações de melhoria contínua e conhecimento dos métodos e critérios. Afinal, os auditores que verificam a melhoria contínua não estão julgando a aceitabilidade do problema, da solução ou da implementação, mas determinando se a solução resulta em melhoria - ou seja, se foi agregado valor. Lembre-se: os auditores estão reunindo e analisando dados secretos para determinar se o que foi feito atende aos objetivos do SGQ, que deve estar de acordo com a política da qualidade e os requisitos de melhoria contínua.

Na minha opinião, embora seja bom exigir melhoria contínua, deve-se também impô-la. Caso não seja possível verificá-la, seria melhor transformá-la em uma meta e não em um requisito. Contudo, acredito que haja técnicas de auditoria que podem ser usadas para auditar a melhoria contínua, proporcionando evidências rastreáveis, reproduzíveis e objetivas.

Além da verificação de melhoria contínua, as técnicas de auditoria podem ser usadas para: promover a melhoria de desempenho, identificar controles mais avançados e pesquisar opiniões internas com relação às políticas de melhoria contínua. Em meu recente livro Continual Improvement Assessment, são discutidas quatro estratégias que podem ser empregadas para promover e sustentar a melhoria contínua.

Convém que os resultados da verificação de melhoria contínua sejam registrados e usados para se avaliar o futuro desempenho. A auditoria com vistas à melhoria contínua deve ser usada como o principal indicador do que se pode esperar para o futuro. Os relatórios poderão indicar se os esforços de melhoria estão no caminho certo ou se existe uma tendência de declínio, que precisa ser contornada. Cabe à direção ser reativa (reagir às tendências de declínio) ou pró-ativa (determinar metas adicionais que se somem aos esforços corretos), para que a melhoria contínua permaneça futuramente como foco dos esforços relacionados ao sistema. As auditorias de melhoria contínua (CIA) ajudam a direção a saber se está marcando passo, ficando para trás ou ganhando vantagem (vencendo a corrida).

Tradução:Marily Sales dos Reis.
Revisão e adaptação: Francesco De Cicco.

 

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