Maio 2000 COMO TRANSFORMAR DEFEITOS EM VIRTUDES Auro Honda e
Sandra Gentil Todos nós temos defeitos e, por isso mesmo, virtudes. Na verdade, nossos defeitos são nossas virtudes no extremo. Na intenção de querermos fazer as coisas de forma perfeita, entornamos o caldo e colocamos tudo a perder. Assim, uma pessoa empreendedora, que faz acontecer, no exagero, atropela a tudo e a todos para obter o que quer. Torna-se um líder autoritário, incapaz de ouvir opiniões divergentes e pouco preocupado com os sentimentos dos que o cercam. De fato, acaba obtendo resultados, mas a um custo emocional muito grande. Suas virtudes – como, por exemplo, objetividade, persistência e controle da situação – tornam-se armadilhas sedutoras que cegam sua visão e provocam seu tombo. Objetividade vira inflexibilidade, persistência muda para teimosia e controle transforma-se em insensibilidade. O que poderia ser um delicioso bolo, torra e vira queimado. Os gregos já diziam que a sabedoria está no equilíbrio. Os excessos são fraquezas que devemos combater. Mas, por que será que perdemos o controle? Por que não percebemos que ultrapassamos o limite da virtude e transformamos nossas qualidades em defeitos? Creio que a resposta a estas indagações é clara. A virtude humana funciona como uma espécie de arma que nos protege e garante nosso sucesso enquanto pessoa. É o que nos faz vencedor. Assim sendo, utilizamos esta munição sempre que quisermos vencer. E o sucesso obtido com a utilização dessas armas só tende a reforçar seu uso em doses cada vez mais freqüentes, até que torne-se automático. Acontece que nem sempre a situação favorece o uso da arma que dispomos e estamos acostumados a usar, mais ainda quando vivemos em um mundo em constante mudança. Neste caso, a receita de sucesso do passado é sucata, o tiro sai pela culatra. Insistimos numa estratégia de luta que não funciona mais, mesmo que existam sinais evidentes de sua ineficácia (se sempre deu certo, por que mudar?). As pessoas habituam-se a fixar pregos com um martelo. Quando encontram um parafuso, continuam usando o martelo. Não enxergam ou têm medo de utilizar uma chave de fenda. Insistem no martelo e, como o parafuso não se move, batem com mais força ainda até que ele entre na marra ou acabem machucando os dedos. Neste caso, o "pecado" não mora ao lado, mas dentro da gente. Não estamos aqui falando da noção do pecado conforme os preceitos da moral cristã e judaica. O termo pecado é utilizado como metáfora para representar um processo interior, manifestado por atitudes e comportamentos exagerados e desordenados provocados pelas pressões que constantemente enfrentamos, seja no âmbito profissional ou pessoal. Todos trazemos dentro de nós, em determinado nível, a possibilidade de manifestação dos pecados. São sete irmãos que habitam nosso ser. Todos chamados KID, cada um deles portador e representante de um pecado capital. KID’pressa é o artista da família. Sua imaginação e criatividade o colocam sempre a frente das pessoas comuns. É um visionário e sonhador. Ocorre que, em seus devaneios, não sabe esperar. Quer construir o mundo num único dia. Sua vontade de realização transforma-se em GULA. Sua ansiedade faz com que coma muito e rapidamente, mas nem sempre com qualidade. Está sempre buscando coisas novas e diferentes para fazer, mas como não consegue dar conta de tudo, não faz nada direito. Deixa tudo por fazer ou executa de uma maneira superficial, sem profundidade. Assim também são seus relacionamentos: grande em quantidade, mas pequeno em qualidade. KID’pois é o mais ponderado dos irmãos. Seu bom senso o leva a pensar antes de agir. Sua capacidade de olhar o todo, de planejar e analisar a situação fazem com que suas decisões sejam consistentes e corretas. O perigo é quando ele pensa muito e não decide nunca. Deixa sempre para depois, com medo de tomar a decisão errada, e acaba não realizando nada. Seu bom senso vira PREGUIÇA. O pior é que ele acaba se acostumando com isso. Consciente ou inconscientemente opta pelo refrão: em time que está ganhando não se mexe. A vida torna-se uma monótona sucessão de fatos iguais e sem sentido. Como uma fotografia que não se altera com o tempo, apenas perde a cor e por fim se deteriora e desaparece. KID’sprezo possui auto-estima. Gosta de si e confia no seu talento. Acredita em si e isto lhe dá forças para vencer os desafios que surgem. No exagero, torna-se SOBERBA. É o "sabe-tudo" que sempre tem razão ou o Don Juan sedutor que precisa afirmar sua superioridade masculina conquistando (e exibindo) várias mulheres. A vida torna-se uma batalha que só tem um vencedor, ou seja, ele mesmo. Outra característica marcante deste irmão é a intolerância ao diferente, que é encarado como uma ameaça à sua realeza. Como disse Caetano, Narciso acha feio o que não é espelho. Desta forma, o soberbo tem dificuldade de se relacionar com os outros: vê defeito em tudo e nunca está contente. KID’speito tem o Dom do amor ao próximo. E amar, é sua arte. O problema é quando este amor cega e o consome. A vida cotidiana está cheia de exemplos de pessoas que amam tanto que acabam se anulando como indivíduos com vontades e qualidades próprias. É a mãe que deixa de trabalhar (e se desenvolver) quando o filho nasce, os apaixonados que abrem mão dos passeios com os amigos, o funcionário que idolatra seu chefe e perde o poder de crítica. Passam o viver em função da felicidade do outro e, quando caem em si, se sentem inferiorizados e injustiçados. Reclamam do que têm e principalmente do que não têm. Em vez de sentir prazer com o que têm, tornam-se infelizes com o que os outros têm. É quando a admiração vira INVEJA. KID’vasso sabe viver. Tem dentro de si a chama do entusiasmo e a crença no sucesso. Busca o prazer e a satisfação pessoal em tudo o que faz. Mas o prazer, em excesso, vira LUXÚRIA. Quando a qualidade transforma-se em quantidade, amor vira apenas um ato sexual. Este irmão é símbolo do homem contemporâneo: da sociedade do instantâneo, superficial e descartável. Ele usa, abusa e joga fora: de copos plásticos à relações humanas. KID’fesa possui auto-controle e senso de preservação. Sabe que segurança é uma coisa importante e que, "sabendo usar, não vai faltar". A questão é quando TER passa a ser antagônico com SER Ter é uma necessidade humana. Todos nós precisamos de um abrigo, de comida e vestimentas que nos protejam do frio ou calor excessivo. Mas, quando a busca pelo acúmulo de bens materiais torna-se mais importante que a manifestação plena do Ser que pensa, sente e age, cometemos o pecado da AVAREZA. O pai que dá um presente a seu filho, mas não brinca junto, não é Pai. Outro grande problema relacionado com este pecado é o medo da mudança. Seu apego com as coisas passadas não o deixa evoluir. Prefere sempre o certo e seguro, ao novo e incerto. A incerteza e a possibilidade de perder tudo o que conquistou assusta KID’fesa e inibe qualquer ato de ousadia. O medo da perda é superior ao prazer da descoberta. KID’sforra representa a liberdade. É autêntico e faz e fala o que quer. Em convivência com a Sociedade, porém, aprendeu a se conter. Como uma fera domada, inibiu sua espontaneidade e passou a agir de acordo com as expectativas do outro. Passivamente, engole muitos sapos, sem digeri-los. Comporta-se como uma panela de pressão pronto a explodir. Quando a carcaça arrebenta, a explosão é violenta. Surge a IRA, destruindo tudo e todos que estão no caminho, indiscriminadamente. Esta é a sina destes irmãos. Virtudes descalibradas que tornam-se pecados. Mas como mudar este destino? Com dar um final feliz a esta estória? Como impedir que cometamos estes pecados? O primeiro a fazer é Ter consciência de quando eles ocorrem e das armadilhas em que caímos. "Se conheceres a ti mesmo e ao teu inimigo, não deverás temer o resultado das batalhas". Toda resolução de um problema, começa com uma boa definição do problema que precisamos solucionar. Em seguida é necessário resgatar o equilíbrio. Para tanto, é necessário desenvolver a tolerância, a coragem e a sabedoria. Tolerância para aceitar as coisas que nos preocupam, mas não podemos mudar; Coragem para enfrentar as coisas que podemos mudar; e Sabedoria para distinguir as duas situações. Por fim, precisamos aprender a gostar mais de nós mesmos. Errar e ser capaz de rir dos erros. Seguir em frente, com perseverança e determinação. Ser grande e inteiro. Flexibilizar corpo e alma para, como o barro, tomar a forma que desejar, sem perder a essência. Dizer sim para a vida e amar. Amar e, de tanto amar, perceber que a vida é bonita.
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