Outubro/2000

Revisão das ISO 14000

COMEÇANDO A REVISÃO DA ISO 14004
PELOS ASPECTOS AMBIENTAIS

Connie Glover Ritzert
Delegada dos EUA no ISO/TC 207

Foi iniciada, recentemente, a primeira revisão da ISO 14004:1996, Sistemas de Gestão Ambiental - Diretrizes gerais para princípios, sistemas e técnicas de suporte. Este foi um dos grandes objetivos do 8º encontro do ISO/TC 207, Comitê Técnico da ISO responsável pela série de normas ISO 14000, realizado em Estocolmo.

Embora o WG 2 do Sub-Comitê 1 (SC), grupo responsável pela ISO 14004, já tivesse iniciado o processo de revisão em junho de 1999 e, em novembro do mesmo ano, identificado tópicos para a revisão e estabelecido prioridades, o encontro de Estocolmo (12 a 18 de junho de 2000), foi o primeiro onde se discutiram as alterações atuais da linguagem.

Em 1999, foram identificadas seis prioridades para a revisão, porém o tópico dos "aspectos, impactos e importância" foi e continua sendo classificado como o de maior prioridade.

Como delegada do WG 2 e participante do encontro de Estocolmo e de encontros anteriores, posso dizer que o WG 2 pretende expandir e aperfeiçoar as diretrizes para a determinação de aspectos ambientais e utilizar essas informações na edição revisada da ISO 14004.

Processo de Revisão dos Aspectos Ambientais

Primeiramente, vejamos quais foram as etapas envolvidas no processo que determinou os aspectos ambientais como sendo uma área crítica para a revisão da ISO 14004. Em junho de 1999, foi realizado um workshop sobre aspectos ambientais em Seul, Coréia do Sul, a fim de identificar quais questões deveriam ser abordadas na revisão desse elemento.

Algumas dessas questões diziam respeito ao esclarecimento de conceitos (ex.: "O que é, realmente, um aspecto ambiental?"), enquanto outras refletiam dúvidas referentes aos processos (ex.: "Por onde devo começar na identificação de aspectos?") e aos inter-relacionamentos (ex.: "Como se relacionam os aspectos e impactos com as outras áreas do SGA?").

Em novembro de 1999, foi realizado um encontro em Washington, DC, onde questões específicas foram classificadas e detalhadas, além de ter sido solicitado aos países participantes que submetessem, até 29 de fevereiro de 2000, recomendações contendo propostas de alterações e adições, a fim de que pudessem ser consideradas em Estocolmo.

Onze organismos participantes, submeteram comentários detalhados e propostas de alterações (ver a Tabela 1). As propostas incluíram desde comentários sobre a edição do texto até sugestões de alteração de conceitos. A equipe dos EUA (Sub-Technical Advisory Group 1), por exemplo, submeteu uma proposta sugerindo que toda a seção de aspectos ambientais fosse reescrita, a fim de abranger tanto as melhorias de edição como as melhorias mais significativas das diretrizes, limitando-se, porém, aos conceitos atuais estabelecidos pela ISO 14001:1996, Sistemas de Gestão Ambiental - Especificações com diretrizes para uso.

No encontro de Estocolmo, o WG 2 discutiu os comentários referentes à seção de aspectos ambientais e designou um grupo para produzir um "primeiro projeto" de revisão dessa seção.

Neste grupo, que atraiu vários participantes devido ao grande alcance do assunto, participo como representante dos EUA (ver lista dos participantes na Tabela 2). Após várias sessões de trabalho, o grupo responsável pelo projeto propôs um esboço e um fluxograma, porém não foi possível chegar a um consenso quanto ao texto atual até o final do encontro. Continuaremos trabalhando no projeto via e-mail, tratando do desenvolvimento do texto e da inclusão de exemplos, a fim de que possamos discutir um primeiro projeto no próximo encontro do WG 2, previsto para realizar-se no Brasil, em novembro de 2000.

Proposta Inicial e Áreas de Acordo

A proposta inicial do WG 2 visa alterar o enfoque e o fluxo da seção de aspectos ambientais, a fim de fornecer:

  • Esclarecimento de conceitos e termos.
  • Maior orientação quanto aos processos para determinar aspectos, seus impactos e a importância dos mesmos.
  • Melhores exemplos.
  • Auxílio para a compreensão das ligações entre os aspectos e impactos e outras partes do SGA.

Embora alguns países prefiram minimizar as alterações, há um grande apoio a essa proposta, que resultará numa nova concepção para os aspectos ambientais. Os participantes que buscam a melhoria dessa parte da norma vêm transmitindo a experiência atual a seus países, onde as organizações necessitam de maior auxílio para compreender os aspectos e impactos ambientais e como gerenciá-los em seus SGAs. A experiência com SGAs varia de país para país, porém a necessidade de uma maior orientação sobre esse tópico parece ser universal.

Para os países em desenvolvimento e países com regulamentos ambientais pouco abrangentes, determinar os aspectos e impactos ambientais constitui um ponto bastante crítico para a gestão ambiental. Esses países estão solicitando que sejam adicionadas mais orientações à ISO 14004, a fim de ajudá-los na implantação do sistema.

Já os países com maior tradição em gestão e regulamentação ambiental buscam um maior esclarecimento de aspectos e impactos relacionados a outros conceitos, como, por exemplo, requisitos legais, e mais orientações sobre o modo como esse processo se adapta ao sistema no geral.

Estes são alguns dos pontos-chave acordados no último encontro do WG 2:

  • A seção de aspectos ambientais da ISO 14004 deveria ser reorganizada em torno das etapas básicas para a determinação de aspectos, impactos e sua importância.
  • Deveria ser utilizado um fluxograma ou um gráfico semelhante para ilustrar o processo básico.
  • Deveriam ser vinculadas ao gráfico básico do processo orientações que apresentassem opções ao invés de uma única maneira "correta" de se abordar cada passo.
  • Deveriam ser fornecidos exemplos para a representação de experiências (ex.: atividades, produtos e serviços; pequenas, médias e grandes organizações; países desenvolvidos e em desenvolvimento).
  • Os termos-chave deveriam ser explicados. Embora sejam utilizados, na ISO 14004, as definições da ISO 14001, vários termos poderiam ser melhor descritos, a fim de melhorar a compreensão (ex.: através de exemplos). Além disso, alguns termos que se pensava serem auto-explicativos não são compreendidos por vários usuários como, por exemplo, "atividades". A ISO 14004 deveria fornecer explicações mais "amigáveis" desses termos.

[Nota do Editor: Ao contrário da ISO 8402:1994, Gestão e garantia da qualidade - Vocabulário (ou a futura ISO 9000:2000), que fornece definições para as normas ISO 9001/2/3 e ISO 9004, a ISO 14050:1998, Gestão ambiental - Vocabulário, é uma compilação das definições que aparecem na série de normas ISO 14000].

  • Deveriam ser fornecidas mais orientações para agregar perspectiva e contexto às funções relacionadas com os aspectos e impactos ambientais, principalmente no que se refere à relação entre as funções de controle e planejamento.

Tabela 1. Participantes que Submeteram Comentários e Propostas de Alterações

Estes são os 11 participantes do WG 2 que submeteram comentários e propostas de alterações referentes aos aspectos e impactos ambientais e à sua importância:

Argentina Dinamarca Índia Singapura
Austrália Estados Unidos Japão Suécia
Canadá Finlândia Reino Unido  

Tabela 2. Grupo Responsável pelo Projeto de Revisão

Os 15 países a seguir formam o grupo designado para revisar a seção de aspectos e impactos ambientais da ISO 14004:

África do Sul Dinamarca Japão Reino Unido
Argentina Espanha Malásia Suécia
Austrália Estados Unidos México Suíça
Canadá Jamaica Polônia  

Questões não-resolvidas

Embora só tenhamos, por enquanto, uma proposta geral de revisão dos aspectos ambientais, já conseguimos esclarecer algumas questões e identificar pontos de controvérsia ou áreas que permitem diferentes opiniões ou interpretações. Sete dessas questões aparecem destacadas abaixo, incluindo algumas experiências de diferentes países.

Relação com os requisitos da ISO 14001

Este é um assunto recorrente em todas as áreas da ISO 14004. Alguns dos participantes gostariam que as diretrizes da ISO 14004 fossem além dos conceitos em que se baseiam os requisitos da ISO 14001. Sob essa perspectiva estão países como a Jamaica, por exemplo, onde a ISO 14004 é a única fonte ou uma das poucas fontes de orientação e informações sobre a implementação e o uso de SGAs. Países com experiência limitada ou com poucos recursos "técnicos", bem como países onde há muitas organizações de pequeno porte com recursos limitados, gostariam que a ISO 14004 fornecesse o máximo de informações possíveis sobre como desenvolver e aperfeiçoar um SGA, a fim de não dependerem totalmente de consultores e publicações diversas. No que diz respeito aos aspectos ambientais, isso significaria inserir "instruções" mais detalhadas na ISO 14004.

Outra perspectiva provém de países europeus onde o uso do SGA tem sido amplamente aceito, e onde há o desejo por diretrizes que ensinem como "ir além" dos requisitos da ISO 14001 (ex.: diretrizes para um SGA ter maior desempenho). No que se refere aos aspectos ambientais, isso significa um tratamento mais completo de técnicas avançadas, como a avaliação do ciclo de vida (LCA).

Há ainda outros participantes do WG 2, que acreditam que a ISO 14004 deveria fornecer orientação prática quanto às opções de implementação e melhoria de um SGA, tendo a ISO 14001 como modelo. Considerando os aspectos ambientais, isso significaria apresentar mais exemplos na norma, ao invés de uma linguagem prescritiva. Enquanto buscamos um consenso em questões individuais, tais perspectivas continuarão a influenciar o debate da revisão.

Escopo da determinação de aspectos

Muitos países relataram que os usuários da norma têm tido dificuldades em estabelecer os limites para a determinação de aspectos. Estas são algumas das perguntas geralmente feitas:

  • Deveria o escopo da determinação de aspectos abranger todas as atividades, produtos e serviços de uma organização? Deveria isso acontecer na determinação inicial?
  • É necessário considerar os impactos passados, presentes e futuros? Como deveriam os limites ser aplicados aos impactos "passados"?
  • De que maneira poderiam ser aplicados alguns tipos de critérios para "controlar e influenciar" os aspectos?
  • Se uma operação está "sob controle" (controles que previnem a ocorrência de um impacto ambiental), ela deve continuar fazendo parte da determinação de aspectos?
  • Sendo que a definição de "meio ambiente" contida na ISO 14004 (oriunda da ISO 14001) inclui pessoas e estende-se do interior das instalações para sistema global, de que maneira pode-se traçar uma linha divisória entre os aspectos ambientais e os aspectos relativos à segurança e saúde no trabalho?

Tais pontos continuam em discussão, não se tendo chegado ainda à maneira mais conveniente de abordá-los na revisão da ISO 14004.

Processo(s) para determinar aspectos/impactos/importância

Embora tenhamos chegado a um acordo quanto ao processo básico, composto de 5 etapas, há vários pontos de vista com relação às entradas, resultados e metodologias que deveriam compor essas etapas. Por exemplo, a Etapa 1 consiste em "identificar atividades, produtos e serviços". O objetivo de cada etapa é explicar os termos e discutir as entradas de determinada parte do processo, possíveis metodologias e resultados.

São várias as opiniões referentes à melhor maneira de se discutir uma metodologia, principalmente aquela usada na avaliação de impactos. Há os que apóiam a consulta a métodos de avaliação de risco ou de LCA. Outros preferem receber maior orientação para saberem que pontos considerar ao selecionar uma metodologia.

Todos concordam, porém, que não deveria ser apresentada apenas uma proposta para essas etapas, mas uma série de exemplos.

Gráficos

Embora o WG 2 tenha concordado quanto à necessidade de uma ilustração gráfica, falta ainda elaborarem-se os detalhes. Parece haver preferência pelos diagramas de bloco e pelos fluxogramas, porém está sendo extremamente difícil chegar a um consenso quanto aos detalhes de qualquer que seja o diagrama escolhido.

Inter-relacionamentos

O WG 2 concorda também que os inter-relacionamentos entre os aspectos e impactos ambientais e os outros elementos do SGA precisariam ser mais elucidados na ISO 14004. Baseando-nos em experiências de usuários, verificamos que há uma grande variedade de interpretações - ou mal-entendidos - quanto à maneira apropriada de se lidar com os aspectos ambientais e outros aspectos importantes.

Nem mesmo os participantes do WG 2 chegaram a um acordo nesse sentido, mas, tão logo isso aconteça, provavelmente tentaremos ampliar os diagramas de forma a ilustrar esses inter-relacionamentos, embora nos preocupe o fato de que, com isso, tais gráficos se tornem demasiado complicados.

Importância

Esta é, sem dúvida, uma questão fundamental para as organizações que estão implementando um SGA baseado na ISO 14001. O conceito de "importância" é, atualmente, muito pouco abordado na ISO 14001, e as atuais diretrizes contidas na norma são, em geral, consideradas inadequadas.

Entretanto, este é um assunto polêmico, já que há vários pontos de vista sobre o propósito da determinação da importância e sobre o modo como deveria ser feita essa determinação. Algumas das perguntas-chave são:

  • O que significa, realmente, um "impacto ambiental significativo"?
  • Deveria uma organização ter "critérios" para a determinação da importância dos e impactos?
  • De que maneira deveriam os "requisitos legais" se relacionar à importância?
  • Deveria ser utilizado algo mais do que considerações puramente "técnicas" na determinação de impactos significativos? E quanto ao interesse das partes interessadas nos "riscos percebidos"?

As recomendações submetidas ao WG 2, até o presente momento, refletem pontos de vista opostos, os quais devem ser conciliados. É provável que tenhamos um grande debate sobre esse assunto no nosso próximo encontro, em novembro de 2000.

Diferenças culturais e lingüísticas

Cada país tem suas próprias questões culturais e lingüísticas relacionadas com os "aspectos", "impactos" e "importância". Por exemplo, o termo "impacto" possui, inerentemente, uma conotação negativa, em algumas regiões, e o fator "intenção" implícito.

Nessas regiões, há uma tendência de evitar-se qualquer discussão sobre impactos. Costuma-se enfocar, em seu lugar, os aspectos ou talvez os "efeitos". Já em outras regiões como, por exemplo, na Escandinávia, dá-se grande ênfase à avaliação de impactos.

Isso pode ser difícil de conciliar com os pontos de vista prevalecentes em vários outros países europeus e norte-americanos, que costumam enfocar as diretrizes para a gestão de aspectos em lugar das diretrizes para a avaliação detalhada de impactos.

Em várias línguas, não há uma tradução específica que diferencie certos termos em inglês [ex.: "evaluate"/"assess" (avaliação) e "effect"/"impact" (efeito/impacto)], o que torna a discussão ainda mais complicada. As diferenças culturais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento afetam as interpretações do termo "importância" e sua relação com fatores econômicos.

Embora essa seja uma Norma Internacional, sua aplicação é local, precisando, assim, ser pertinente a uma variedade de situações.

Um Desafio à Revisão de Aspectos

Muitos participantes do WG 2, pretendem evitar, nesse processo de revisão, quaisquer implicações que possam ampliar os limites dos requisitos da ISO 14001. Esse será um dos maiores desafios - melhorar as diretrizes para a determinação de aspectos, impactos e importância ambientais, sem comprometer a flexibilidade intencional da ISO 14001.

Nenhuma das linguagens específicas submetidas antes do encontro de Estocolmo foi abordada até o momento, porém todo o projeto de desenvolvimento da linguagem da norma vem sendo baseado nos comentários anteriores.

A partir de agora até o próximo encontro do WG 2, todos os participantes terão a oportunidade de submeter mais comentários. Enquanto isso e durante o encontro de novembro, nós, da delegação dos EUA, continuaremos a insistir na flexibilidade para a criação e implementação dos SGAs.

Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP.