- A opinião dos autores dos artigos assinados não reflete, necessariamente, a posição do QSP.
- É permitida a divulgação das informações aqui publicadas, desde que citada a fonte.
- Eventuais colaborações (artigos, notícias etc) deverão ser enviadas através do e-mail: qsp@qsp.org.br

Maio/2002

Responsabilidade Social

Investidores de olho nas ações sociais

Pedro Angeli Villani
Analista SRI da ABN AMRO Asset Management
e Roberto Sousa Gonzalez
Coordenador da Comissão de Balanço Social da Abamec-SP.

Artigo publicado na revista Mercado de Capitais, edição no 90.

No momento em que as entidades do mercado financeiro nacional debatem a formação de um Plano Diretor para o Mercado de Capitais, e um dos temas é "Mobilização de recursos novos para o Mercado de Capitais" não poderíamos deixar de abordar os recursos de SRI (Socially Responsable Investing).
O segmento de investimentos em empresas socialmente responsáveis é uma das grandes novidades na política de investimentos. A atenção despertada é resultante do tamanho que esse segmento já atingiu nos EUA, Europa e Japão; ao excelente histórico de rentabilidade durante toda a década de 90; aos inúmeros benchmarks disponíveis; às várias empresas especializadas em análise de investimentos, ou gestão de recursos de terceiros que oferecem serviços de alta qualidade, e ao apelo de se unir o útil ao desejável, ou seja, a rentabilidade à indução de um papel corporativo socialmente correto.
Os fundos mútuos de investimentos em ações de empresas socialmente responsáveis continuam apresentando surpreendente crescimento e, conseqüentemente, registram aumento expressivo de sua participação sobre o total do mercado de fundos mútuos. Nos EUA, por exemplo, 13% do total de recursos sob gestão profissional estão alocados em algum tipo de investimento envolvendo empresas socialmente responsáveis, com um total que ultrapassava a US$ 2,3 trilhões em junho de 2001, segundo o Social Investment Forum ( www.socialinvest.org) . A organização identificou que esse segmento totalizava apenas US$ 40 bilhões em ativos administrados no seu primeiro levantamento sobre o segmento feito em 1984. Em 1995 já totalizava US$ 639 bilhões e, em 1999, alcançou os US$ 2,16 trilhões.
A partir de julho de 2000, na Inglaterra, todos os fundos de pensão são obrigados a declarar se levaram em consideração a informação de natureza social na elaboração de suas carteiras de investimentos e, caso positivo, quais indicadores foram utilizados. A maioria dos fundos de pensão informou que leva essa informação em consideração na seleção dos papéis que irão compor a carteira de investimentos. França e Alemanha estão seguindo o exemplo inglês.

Valores crescentes

Encontram-se disponíveis aos investidores inúmeros índices de referência (benchmarks), destacando-se o DJSGI – Dow Jones Sustainability Global Index –, o SAM – Sustainability Index Fund (Global), o Domini 400 Social Index (EUA), o KLD Broad Market Social Index, o FTSE4Good (Reino Unido) e o NAI Index (Alemanha).
Para se ter uma idéia, os recursos dos SRI no mundo somam mais de US$ 4 trilhões. Os valores crescem a cada ano e, com certeza, a área de relações com investidores das empresas brasileiras não pode deixar de levar em consideração a possibilidade de captar recursos desses investidores, o que será facilitado com acesso às informações de natureza social consistentes da companhia.
Investidores socialmente responsáveis que desejam investir em papéis brasileiros, mas não possuem informações de natureza social das empresas, acabam levando seus recursos financeiros para outros mercados, onde a informação de natureza social está disponível. Uma parcela dos US$ 4 trilhões de SRI circulante no mundo poderia estar contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do nosso país. Os analistas SRI utilizam várias ferramentas. Entre elas os dados constantes nos balanços sociais das companhias, pois estes subsidiam avaliações, uma vez que complementa as informações já constantes nas demonstrações financeiras.
Desde janeiro de 2001, os investidores socialmente responsáveis estão sendo alimentados com informações das companhias listadas na bolsa brasileira, através do departamento de pesquisa do Unibanco. Essa é, até o momento, a única fonte independente de informações sociais para investidores em papéis brasileiros.
O Unibanco analisa dados sobre meio ambiente, certificações recebidas, utilização dos recursos naturais, balanço social, relações com o público interno e com a comunidade etc.
Outra instituição, a ABN AMRO Asset Management, usando sua experiência na Holanda, lançou, em novembro último, o 1º Fundo Mútuo de Renda Variável Socialmente Responsável do Brasil.
Não pode ser deixada de lado na avaliação a cobrança do papel importante que as empresas devem assumir na sociedade, especialmente ao reconhecer que os recursos aportados nos fundos de pensão advêm dos próprios trabalhadores, ou seja, da população em geral, que serão os beneficiários diretos do crescimento da atenção dada pelos administradores à responsabilidade social corporativa. Notadamente, os grandes fundos de pensão estão cada vez mais se conscientizando de que não existe conflito entre sua obrigação de remunerar atuarialmente seus ativos e o seu papel de indutor de alocação de recursos em empreendimentos eficientes, tanto em termos financeiros quanto sociais.

Comparações de índices

O índice de referência mais antigo e mais conhecido no segmento de investimentos socialmente responsáveis é o Domini Social 400, elaborado pela empresa de consultoria KLD desde maio de 1990. Composto de 400 empresas norte-americanas, esse índice registrou valorização acumulada de 16,22% a.a. por mais de uma década, que vai desde a sua criação até junho de 2001, ou seja, superior à verificada no índice S&P500 no mesmo período, que foi de 15,02% a.a. O índice Domini Social 400 também manteve um perfil de risco melhor e um índice de Sharpe maior.
Esse comportamento positivo é ainda mais expressivo quando se compara o índice Dow Jones Global Sustainability Index (DJGSI) ao Dow Jones Global Index (DJGI). O DJSGI foi criado em janeiro de 1994, composto por 312 empresas distribuídas em 62 setores e em 26 países. Para o período que vai de janeiro de 1994 até junho de 2001, o DJSGI apresentou um excesso de desempenho de 2,9% a.a. em relação ao tradicional DJGI, registrando ainda um índice de Sharpe superior e volatilidade menor.
Outras comparações confirmam a mesma tendência: o Europe Index Ethibel, em comparação ao MSCI Europe, registra desempenho superior de 9,4 pontos percentuais ao ano, no período de janeiro de 1998 a outubro de 2000. O índice inglês Eiris, em comparação ao tradicional FTSE, registra outperformance de até 1,6 ponto percentual ao ano, no período de janeiro de 1991 até maio de 1999. Outro índice europeu, o NPI UK Social Index, composto de 150 ações do FTSE All Shares and Fledgling, superou o All Share Index desde sua criação em julho de 1998.
Os estudos que associam o retorno superior à responsabilidade corporativa estão agora se apoiando em algumas descobertas aceitas pelo menos na esfera intuitiva dos grandes investidores, administradores e analistas de investimentos. O retorno superior seria decorrente dos seguintes benefícios colhidos por empresas de melhor desempenho na área de responsabilidade corporativa:

Maior reconhecimento das marcas e melhor imagem junto aos consumidores e outros stakeholders;
Redução de custos pelo uso mais eficiente de água, energia e combustíveis, e pela reciclagem de lixo e resíduos;
Atuação proativa em antecipação a regulamentações mais restritas por parte das agências governamentais;
Maior produtividade dos empregados, em decorrência de maior motivação, menor absenteísmo e turnover;
Menor risco de litígios legais em relação ao ambiente, empregados e consumidores;
A preocupação com a sustentação do negócio é um indicador indireto de melhor qualidade da gestão empresarial e de que a alta administração tem senso estratégico mais qualificado que o dos concorrentes, e
A existência de grande variação na eco-eficiência de empresas concorrentes não é muito transparente e não muito bem entendida pela maioria dos investidores, gerando daí uma oportunidade de investimentos com rentabilidade superior.

No Canadá, segundo a Social Investment Organisation, o mercado de varejo para investimentos socialmente responsáveis cresceu mais de 75% entre 1998 e 2000, ou seja, o dobro do que cresceu o mercado de fundos mútuos, atingindo C$ 50 bilhões, englobando 45 fundos, comparado com apenas 19, três anos antes. Na França, em 1997, surgiu o 1º fundo de investimento socialmente responsável, hoje são mais de 40. No Reino Unido, os fundos e os investimentos socialmente responsáveis, que totalizavam o equivalente a US$ 199 bilhões em 1989, chegaram a atingir US$ 3,296 trilhões em 2000. Na União Européia, esse total chega a US$ 9 bilhões, segundo estimativas da Eiris, publicadas no Financial Times.
Cada vez mais a empresa tem que levar informações para todos os envolvidos, direta ou indiretamente (profissionais, acionistas, fornecedores, clientes, cidadãos, governos, organizações do terceiro setor) nas operações. Os investidores querem saber como a corporação lida com todos os fatores que a afeta, entre eles a postura social.

Essa postura não é só dos investidores, os agentes financiadores estão levando em consideração cada vez mais as informações de natureza social das empresas antes de tomarem uma decisão de fornecer os recursos financeiros. Em alguns casos, as empresas precisam apresentar, além do projeto que será objeto do financiamento, um programa de desenvolvimento social na localidade onde será implantado.

Governança corporativa

Hoje, as empresas buscam ter cada vez mais práticas de governança corporativa, que envolvem fatores além da valorização aos acionistas minoritários. Empresa com boa governança tem que ter também boas relações com as partes interessadas, os stakeholders (administração responsável perante funcionários, fornecedores, comunidades e acionistas). Essa boa convivência pode alterar a cotação das ações dessas empresas na bolsa.
A última edição do código de melhores práticas do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) deixa explicito que o relacionamento com os stakeholders, as partes interessadas é de responsabilidade do presidente da companhia e seus diretores, e que estes devem dar satisfação, sempre que necessário. Isso demonstra a evolução do grau de importância que as relações com os stakeholders têm dentro do mundo empresarial.
Para atender aos anseios não só dos shareholders, mas também dos stakeholders, as empresas devem preparar sua área de relações com os investidores para atender a esse público. O profissional de RI precisa estar bem informado sobre toda ação social da corporação, visto que isso pode ser decisivo para que um investidor ou administrador de recursos decida alocar em sua carteira papéis da empresa.
Caso a empresa execute um bom programa de natureza social e este não seja bem divulgado – e a área de relações com investidores não tiver informações –, além de deixar de captar recursos dos investidores socialmente responsáveis, passará a impressão de que a ação social corporativa não é tratada como a ação de negócios, dificultando ainda mais o acesso a esses recursos. Por isso é relevante para as empresas não só executarem ações sociais corporativas, mas também comunicá-la ao mercado periodicamente, não só no relatório anual.
As empresas necessitam enxergar que, a prática estratégica da responsabilidade social e sua comunicação ao mercado, podem ampliar a base de clientes, a produtividade, a fidelidade dos consumidores, efetivar uma redução de custos, facilitar o acesso a financiamento, trazer novos recursos através dos SRI para o mercado de capitais e ampliar a base acionária com o surgimento de mais fundos de investimentos socialmente responsáveis brasileiros.
As empresas estarão contribuindo para o progresso social e econômico, criando um círculo virtuoso com seus profissionais, consumidores, fornecedores, clientes etc.
Na esfera governamental podemos dizer que, através das entidades financiadoras, está havendo uma contribuição para que as companhias executem ações sociais corporativas.
Por tudo isso acreditamos que o Plano Diretor do Mercado de Capitais deve ter um espaço destinado ao SRI, pois irá contribuir com novos recursos, trazendo desenvolvimento econômico e social para o Brasil.