Setembro/2000 A revisão da ISO 14001 É POSSÍVEL "CLARIFICAR" A NORMA SEM ALTERÁ-LA? Christopher Bell O processo de revisão e a possível alteração da ISO 14001 (norma para sistemas de gestão ambiental) vem se encaminhando para um estágio mais sério. Os organismos nacionais de normalização têm recebido vários comentários sobre a ISO 14001, os quais abrangem desde sugestões para adicionar requisitos à norma até pedidos para a não-alteração da mesma. A grande maioria dos comentários visa a "clarificação" da norma. Dado o grande interesse pela norma e pelo processo de análise crítica, este é um bom momento para refletirmos sobre o objetivo da ISO 14001 e considerarmos as conseqüências de possíveis alterações ou esclarecimentos para a implementação da norma. Pelo que podemos observar, todos parecem concordar que não seria conveniente fazer alterações ou adicionar novos requisitos à ISO 14001. Seguindo essa tendência, a maioria das pessoas vem classificando seus comentários como "proposta para a clarificação da ISO 14001" ao invés de "proposta para a inclusão de novos requisitos". Entretanto, tais propostas nos levam a uma importante questão: seria possível esclarecer a norma sem alterá-la? A popularidade da ISO 14001 tem sido comprovada pelo mercado. Milhares de organizações, atualmente, utilizam a norma como guia para as atividades de seu SGA. Mais de 17.000 certificados ISO 14001 foram emitidos até agora (embora seja importante reconhecer que a certificação de terceira parte não é necessária para a implementação da ISO 14001 ou de um efetivo SGA). Essa norma ambiental vem sendo amplamente implementada, pois apresenta princípios de gestão ambiental bem aceitos entre as organizações. Pode ser utilizada para a identificação das obrigações ambientais de uma organização, para o estabelecimento de objetivos e metas ambientais e para a criação de um sistema abrangente que possibilite atingir tais objetivos e metas. A ISO 14001, portanto, incentiva as organizações a integrar questões ambientais às operações normais da empresa, aprimorando sua capacidade de operar conforme a lei e de forma a proteger o meio ambiente. A ISO 14001 vem sendo implementada por organizações de todos os tipos e tamanhos ao redor do mundo. Porém, é dado mais enfoque aos interesses de pequenas e médias empresas (PMEs). A grande maioria das organizações no mundo são PMEs, daí a importância do assunto. Quanto menos PMEs forem capazes de implementar a ISO 14001, menor será a utilidade da norma para a proteção do meio ambiente. O grande desafio é conseguir estabelecer os elementos essenciais de um SGA efetivo e, ao mesmo tempo, garantir que várias organizações sejam capazes de implementar a ISO 14001. Tudo isso deve ser feito de forma que a ISO 14001 possibilite uma considerável diferença para o meio ambiente, deixando de ser apenas mais um documento "ambientalmente correto". Mas, para tanto, vários aspectos são necessários. Flexibilidade - essa é a chave A flexibilidade tem sido de fundamental importância para o sucesso da ISO 14001. Cada condição presente na norma pode ser implementada de várias maneiras. Não existe "a fórmula" para implementar a ISO 14001. A norma estabelece os elementos essenciais para um SGA efetivo, porém deixa a cargo da organização a função de determinar o melhor enfoque. Essa flexibilidade é essencial porque, assim como há várias maneiras de se obter um SGA bem-sucedido, também há várias maneiras de se conseguir um negócio bem-sucedido. Aquilo que funciona para uma organização pode não funcionar para outra. Por exemplo, organizações extremamente centralizadas podem implementar a ISO 14001 diferentemente de organizações extremamente descentralizadas. Isso não quer dizer que uma está "certa" e a outra não. Certo é tudo aquilo que funciona na tentativa de proteger o meio ambiente. Porém, a flexibilidade cria certa insegurança. Se, no momento de implementar uma condição específica da norma, a organização se deparar com três opções, por exemplo, terá a oportunidade (ou dificuldade) de escolher a melhor opção para si. Não são organismos de normalização ou auditores de terceira parte os mais indicados para decidir a melhor opção, e sim a própria organização que está implantando a norma. Se a organização necessitar de dicas para ajudá-la na escolha, poderá encontrar conselhos disponíveis em documentos de diretrizes, tais como a ISO 14004 e outras inúmeras documentações já desenvolvidas. Entretanto, alterações nos requisitos da ISO 14001 poderiam não fornecer a orientação desejada e, ainda, resultar involuntariamente em uma norma mais difícil de se implementar. As organizações que precisarem de ajuda para a implementação da ISO 14001 serão mais beneficiadas se aperfeiçoarem as diretrizes disponíveis, ao invés de tornarem a ISO 14001 menos flexível ou mais rigorosa. A flexibilidade da ISO 14001 também poderá apresentar desafios para os auditores (tanto internos como externos). Muitos auditores acham mais cômodo auditar organizações por critérios relativamente fixos, que não estejam sujeitos a várias interpretações ou opções de implementação. Porém, embora seja, sem dúvida, mais conveniente avaliar de acordo com uma lista de verificação fixa, que pressupõe uma padronização para todas as organizações, não é assim que o mercado ou o meio ambiente funciona. O fato de uma norma flexível apresentar várias opções não significa que é impossível auditar os requisitos. Pelo contrário, significa que o auditor terá que trabalhar ainda mais para conseguir entender as opções disponíveis, determinar se a opção escolhida pela organização atende aos requisitos da norma e se a opção escolhida foi implementada conforme a norma. É importante que a organização considere cuidadosamente o seu público-alvo, antes de reduzir a flexibilidade da norma com o intuito de simplificar a tarefa dos auditores. Pode haver situações em que a flexibilidade aceitável da ISO 14001 assuma uma ambigüidade inaceitável. Essa suposição é totalmente provável e merece ser considerada. Qualquer norma não compreendida ou mal-compreendida é de pouco valor. O fato de uma condição ser flexível, podendo ser implementada de várias maneiras, não significa que ela é ambígua. Nesses casos, "clarificar" as condições da norma visando reduzir as opções pode tornar a norma mais difícil e de implementação mais dispendiosa. Esclarecer alguns pontos pode ser positivo: assim como qualquer outro documento, a ISO 14001 também pode ser aperfeiçoada. Por outro lado, o esclarecimento de alguns pontos poderia diminuir a flexibilidade atual da ISO 14001, por meio da escolha de um único método de implementação, em detrimento de outras formas possíveis. Se, por exemplo, a norma atual permitisse as opções "A", "B" e "C", e após "clarificada" passasse a permitir apenas a opção "B", o requisito teria sido alterado. O resultado seria bem diferente se, ao invés disso, fossem fornecidas orientações à organização para a escolha entre as três opções. Por exemplo, a ISO 14001 exige que as organizações identifiquem seus aspectos ambientais mais importantes, mas não especifica o método a ser utilizado. Assim, tanto poderia ser adotado um método narrativo qualitativo como uma análise quantitativa detalhada que priorizasse tais aspectos. Algumas organizações avaliam, principalmente, os aspectos de "fence-line" (isto é, as fronteiras onde a organização interage com o meio ambiente), enquanto outras preferem avaliar departamento por departamento. Algumas organizações utilizam apenas especialistas em meio ambiente para identificar seus aspectos, enquanto outras envolvem uma grande quantidade de funcionários. Todas essas estratégias (e sob qualquer combinação) são legítimas e podem funcionar. Nenhuma é "melhor" ou intrinsecamente "pior". A única coisa que poderia tornar alguma estratégia incorreta seria a não-adaptação às necessidades, estrutura ou práticas da organização. Qualquer organização que estiver tendo dificuldades em escolher o melhor método para identificar seus aspectos ambientais poderá encontrar ajuda nas várias propostas disponíveis. Com tal orientação, a organização estará mais apta a tirar vantagem da flexibilidade da ISO 14001 e desenvolver, assim, um SGA que se adapte às suas necessidades. Por outro lado, aa "clarificação" da ISO 14001, visando especificar um único método para a identificação de aspectos ambientais, diminuiria o leque de opções disponíveis. Isso significa que todas as organizações, independentemente de tamanho, atividades, produtos, serviços, localização e estrutura organizacional, teriam que utilizar o mesmo método. Essa não seria necessariamente uma alteração dos requisitos da norma, pois simplesmente proibiria qualquer método que não fosse aquele designado pela norma. Não há dúvida de que a ISO é livre para fazer todas as alterações que quiser, levando em conta a vontade de seus membros. Porém, é importante que todos os que participam no processo de revisão da ISO 14001 compreendam bem as conseqüências de certas alterações "esclarecedoras". A Questão do Informe Externo Algumas pessoas estão sugerindo que se inclua na ISO 14001 um requisito obrigatório para a realização de informes externos. A questão da comunicação com as partes externas é um tópico que merece cuidadosa atenção durante o processo de revisão da ISO 14001. Entretanto, é interessante notar que algumas pessoas caracterizaram a inclusão de um requisito formal para a realização de informes externos como uma "clarificação". Como a ISO 14001 não possui atualmente esse requisito, tal inclusão definitivamente não seria um esclarecimento. Com isso, não estou expressando uma opinião própria buscando determinar se o requisito referido deveria ou não ser incluído na norma. Estou apenas ressaltando que esse chamado esclarecimento faria muito mais do que simplesmente esclarecer algum requisito da norma. Tornar a ISO 14001 mais específica e menos flexível poderia desencorajar a criatividade e a experimentação, que são essenciais para o espírito de melhoria contínua da norma. O atual enfoque da ISO 14001 é estabelecer os elementos essenciais e a direção básica de um SGA efetivo, deixando os detalhes por conta das próprias organizações. A implementação na prática serve como "laboratório", onde podem ser desenvolvidas diferentes propostas para a identificação e solução dos desafios ambientais, tudo dentro da estrutura geral da ISO 14001. O objetivo da ISO 14001 não é implementar SGAs através dos quais todas as organizações façam tudo da mesma forma. A existência de diferentes propostas de implementação é evidência de uma norma ambiental forte, e não de uma norma frágil. Os escritores de normas, também chamados de "especialistas", não têm consciência dos diferentes métodos utilizados pelas várias organizações ao redor do mundo para implementar os elementos de SGA. Aqueles que trabalham na ISO 14001 devem reconhecer que, apesar de fornecerem o direcionamento necessário para as organizações, a verdadeira inovação ocorre nas próprias atividades das organizações, e não nas salas de reunião. A ISO 14001 descreve os elementos essenciais de um SGA, os quais podem ser implementados por quase todas as organizações do mundo, deixando os detalhes por conta das próprias organizações. Essa questão é importante para entendermos o principal objetivo da norma: melhorar o modo como as organizações gerenciam suas questões ambientais, visando a melhoria das condições ambientais. Uma norma para SGAs que pudesse ser implementada apenas por algumas poucas organizações não teria grande utilidade. Esse é o motivo pelo qual a ISO 14001 não descreve um SGA "de última geração". Para organizações sofisticadas, com recursos técnicos e financeiros de alto nível, não seriam necessárias diretrizes da ISO para a gestão de suas questões ambientais. Muitas das maiores organizações industriais implantaram SGAs abrangentes, antes mesmo que os organismos de normalização começassem a pensar nesse assunto. Mesmo após a publicação da norma ISO 14001, em 1996, muitas dessas organizações decidiram continuar com o seu próprio SGA, afirmando estarem satisfeitas com o mesmo e que a implementação da ISO 14001 não iria melhorar em nada seu desempenho ambiental. Algumas dessas organizações possuem SGAs que, sem dúvida, superam de longe os requisitos da ISO 14001. Por essa razão, afirmamos que não era esse o público-alvo da ISO 14001. Se fosse criada uma norma baseada nas organizações "top de linha", a grande maioria não seria capaz de implementá-la. Além do mais, tais organizações não teriam necessidade de uma norma ambiental, pois já possuíam ótimos SGAs. Conseqüentemente, a ISO 14001 provavelmente não teria tanto impacto prático na melhoria do meio ambiente. Por isso, uma norma simples, capaz de proporcionar o aperfeiçoamento da gestão ambiental a milhares de organizações, tem maior probabilidade de melhorar significativamente as condições ambientais do que uma norma "perfeita", que só pudesse ser implementada por algumas organizações. Na verdade, uma norma ambiental escrita de forma simples pode ser mais ambiciosa quanto aos seus efeitos no meio ambiente, do que um documento mais rigoroso e com menos probabilidade de ser amplamente implementado. Aqueles que estão interessados em fazer da ISO 14001 uma norma "superior" deveriam considerar a influência de sua atitude na implementação de SGAs em médias organizações. Reunir as "melhores práticas" de organizações mais avançadas, fazendo dessas práticas os requisitos fundamentais da ISO 14001, poderia resultar numa norma reservada apenas para as "melhores" organizações. Com isso, a ISO 14001 poderia deixar de ser uma ferramenta de auxílio para todos os tipos de organizações e passar a ser um "prêmio" para as "melhores" organizações. Mesmo sendo essa uma possível atitude da ISO, nada deveria ser feito sem que antes fosse muito bem compreendido o possível impacto dessa escolha na aceitação e implementação da ISO 14001, especialmente por PMEs e organizações recém-constituídas ou de países menos desenvolvidos. Se levarmos em conta que a ISO 14001 não foi escrita para ser uma norma "superior", perceberemos que o seu objetivo não é remediar todos os problemas ambientais. A ISO 14001 fornece orientações rumo à implantação de um sistema para a gestão de obrigações ambientais estabelecidas externamente à norma. Tais obrigações são determinadas pelo governo, por acordos internacionais ou por ações voluntárias da própria organização (ex.: princípios de "Responsible Care" estabelecidos pela indústria química). No caso de insatisfação com as obrigações legais aplicáveis ou com outras obrigações ambientais, o assunto deveria ser tratado pelos organismos que estabeleceram tais obrigações, e não através de um processo de revisão da ISO 14001. A ISO não é um organismo de poder legislativo superior, habilitado a reescrever leis ambientais estabelecidas por governos soberanos; tampouco é um organismo executivo ambiental internacional ou um órgão da polícia. A ISO 14001 é uma norma voluntária destinada a auxiliar as organizações na melhoria de sua atuação em relação ao meio ambiente. O ISO/TC207/SC1 estabeleceu princípios para negociação que reconhecem a importância de manter a flexibilidade da ISO 14001 e sua capacidade de atrair um grande número de organizações do mundo todo. Tais princípios serão de grande valia nos próximos anos, pois comprovarão se os esforços em prol da melhoria da norma realmente resultaram em mais organizações fazendo um melhor trabalho para proteger o meio ambiente. Enfim, é necessário fazer uma cuidadosa avaliação das propostas de "clarificação" da ISO 14001, a fim de determinar as possíveis conseqüências para uma implementação efetiva e eficaz da norma. Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP. |