Junho/1998

ISO 9000 / ISO 14000 / BS 8800

PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO
DE SISTEMAS DE GESTÃO

Francesco De Cicco
Diretor-Executivo do QSP

Em artigos anteriores, falamos sobre os SIGs – Sistemas Integrados de Gestão. Neste, vamos apresentar um procedimento de planejamento que as organizações poderão utilizar para desenvolver qualquer aspecto de seu Sistema de Gestão; por exemplo, em conjunto com uma análise crítica inicial ou periódica da situação.

O texto a seguir foi extraído e adaptado do Manual sobre Sistemas de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho, de nossa autoria, que contém a íntegra em português da norma BS 8800, a qual, em seu Anexo C, aborda em detalhes esta questão do planejamento. Apesar de estar centrado no planejamento e implementação da Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o referido procedimento poderá também ser usado, com as devidas adaptações, para os Sistemas (integrados ou não) da Qualidade e de Gestão Ambiental.

Os negócios e o planejamento da SST

Os métodos adotados para planejar e implementar ações de SST devem ser os mesmos que aqueles usados para planejar e implementar mudanças em qualquer aspecto das atividades de uma organização. As organizações podem querer integrar o planejamento da SST, do Meio Ambiente e da Qualidade. Os requisitos-chave são que:

  1. os objetivos da organização sejam claramente definidos, priorizados e quantificados sempre que possível;
  2. critérios adequados de mensuração sejam escolhidos para confirmar que os objetivos foram alcançados. Esses critérios devem ser definidos antes de ir para a próxima etapa;
  3. seja preparado um plano para atingir cada objetivo. O plano deve ser desenvolvido, primeiramente, em termos amplos e, depois, em detalhes; as metas específicas devem ser acordadas, especialmente as tarefas que têm que ser realizadas por pessoas ou equipes designadas para implementar o plano;
  4. estejam disponíveis recursos financeiros adequados e outros recursos;
  5. sejam medidos e analisados criticamente os planos de implementação e sua eficácia em atingir os objetivos.

Planejamento pró-ativo da SST

O planejamento de qualquer Sistema de Gestão requer uma abordagem abrangente que enfatize a prevenção. Algumas organizações podem ter dificuldades em avaliar esses sistemas, analisar riscos e fixar prioridades visando melhorias. O procedimento aqui sugerido visa ajudar a superar tais dificuldades.

Os sistemas pró-ativos de gestão da SST ( ou da Qualidade ou Ambiental, nunca é demais repetir) devem promover a melhoria contínua e assegurar que:

  1. são tomadas providências apropriadas e que as mesmas estejam adequadamente providas de recursos, com pessoal competente que tem responsabilidades definidas, e que incorporam canais eficazes de comunicação;
  2. são adotados procedimentos para estabelecer objetivos, para delinear e implementar planos para atingir objetivos, e para monitorar tanto a implementação como a eficácia dos planos;
  3. são identificados os perigos e avaliados e controlados os riscos, antes que alguém (ou alguma coisa) possa ser adversamente afetado;
  4. o desempenho da SST é medido através de diversas técnicas, e a ausência de eventos perigosos não é vista como uma evidência conclusiva de que tudo está bem.

Uma área vital do planejamento pró-ativo é a gestão da mudança. Entre as mudanças que podem afetar a SST, incluem-se:

  1. mudanças de pessoal;
  2. propostas de novos produtos,instalações, processos ou serviços;
  3. mudanças em procedimentos de trabalho;
  4. modificações de processo;
  5. modificações de software.

As mudanças externas que, entre outras, podem afetar a SST incluem:

i) nova legislação;
ii) desenvolvimentos de conhecimento e tecnologia de SST.

Como parte do ciclo de análise crítica, as organizações devem avaliar o impacto de tais mudanças e dar passos apropriados para controlar os riscos, antes da introdução da mudança.

Limitações da gestão reativa da SST

Na análise crítica da situação, as organizações devem levar em consideração se a operação de seu Sistema de Gestão da SST:

  1. depende, indevidamente, de dados reativos de monitoramento (limitações de dados de acidentes e doenças ocupacionais);
  2. está baseada na crença equivocada de que somente é necessária a ação após os efeitos de uma série de eventos perigosos ou do surgimento de sintomas de doença ocupacional, e que a ação preventiva é requerida somente para evitar a repetição de um evento específico;
  3. freqüentemente se baseia em investigações superficiais de eventos perigosos. Os eventos perigosos geralmente têm muitas causas. Uma investigação limitada ao estudo de atos inseguros pelo pessoal nas áreas críticas pode não revelar as deficiências nos sistemas de trabalho e de proteção, e falhas no Sistema de Gestão da SST.

A prevenção de eventos perigosos e doenças ocupacionais requer um número equilibrado de controles técnicos e de procedimentos (comportamentais) sustentados por treinamento. Mas as regras e proteções previstas após a ocorrência de acidentes ou doenças ocupacionais podem:

  1. ser super-estimadas (como se observa algum tempo após o evento);
  2. conflitar com a necessidade de ter o trabalho realizado;
  3. conflitar com controles adotados para outros riscos;
  4. falhar em acompanhar mudanças no local de trabalho e desenvolvimentos técnicos em geral.

Uma abordagem reativa pode ser simples de aplicar. A gestão da SST fica reduzida à solução de problemas aparentemente contornados com medidas limitadas. Entretanto, um Sistema de Gestão fundamentado em mensurações reativas e investigações superficiais não é nem uma base segura, nem de custo eficaz no controle de riscos.

Planejamento e implementação na prática

As organizações devem utilizar a experiência de muitas pessoas para planejar e implementar melhorias em seu sistema de SST. As grandes organizações podem constituir um certo número de equipes trabalhando em áreas diferentes e em diferentes níveis na organização. As organizações devem usar procedimentos sistemáticos quando planejarem e implementarem:

  1. mudanças que se mostrem necessárias, a partir das análises críticas da situação (pela administração);
  2. planos de ação para o controle de riscos;
  3. medidas de emergência.

Figura 1 - Um procedimento para planejamento e implementação da

SST

Escrever uma lista de OBJETIVOS de SST
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Selecionar os OBJETIVOS - chave
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Quantificar (se possível) um OBJETIVO-chave.
Selecionar os indicadores de RESULTADOS
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Preparar PLANO para atingir o OBJETIVO-chave.
Escrever as METAS
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Implementar PLANO
 
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Medir os indicadores de RESULTADOS.
O OBJETIVO-chave foi alcançado?
As METAS foram atingidas?
O PLANO foi completamente implementado?
 
¯
ANÁLISE CRÍTICA

Alguns objetivos podem ser implementados de forma simples, e também sua eficácia é auto-evidente, tornando desnecessário o uso formal do procedimento aqui sugerido.

Para manter a simplicidade, o procedimento é explicado no contexto de uma equipe de planejamento que procura selecionar e alcançar um objetivo-chave. Na prática, as organizações tendem a usar o procedimento para desenvolver planos para atingir vários objetivos ao mesmo tempo.

O procedimento envolve:

  1. escrever uma lista de objetivos e selecionar objetivos-chave (de alta prioridade) da lista;
  2. quantificar, se possível, um objetivo e escolher indicadores de resultados que possam ser usados mais adiante para determinar se o objetivo-chave foi atingido: isto é, se o plano foi eficaz;
  3. desenvolver um plano para atingir o objetivo-chave. Devem ser definidas metas de planejamento. As metas podem ser usadas mais adiante para verificar se o plano foi completamente implementado;
  4. implementar o plano;
  5. mensurar separadamente e analisar criticamente a implementação e a eficácia do plano.

Pode haver necessidade de se repetir diversas vezes os vários passos do procedimento, antes que o objetivo-chave ou o próprio plano seja finalizado.

Além disso, muitos planos prosseguirão, por exemplo, para manter controles específicos para riscos específicos, tais como cuidados quanto à limpeza geral para controlar escorregões e tropeços, proteção de partes perigosas de máquinas, e controle do trabalho de contratados. A mensuração e análise crítica poderiam ocorrer a intervalos definidos, conduzindo a uma reavaliação do objetivo-chave e do próprio plano.

Onde nós estamos agora e onde deveríamos estar?

As organizações devem usar as análises críticas da situação e avaliações de riscos, para comparar as providências existentes e os controles de riscos com:

  1. requisitos da legislação de SST;
  2. diretrizes existentes sobre gestão da SST e controles de riscos dentro da organização;
  3. boas práticas em setores de atividade pertinentes;
  4. eficiência e eficácia dos recursos existentes destinados à gestão da SST e ao controle de riscos.

Uma técnica útil é compilar uma lista de objetivos de várias fontes, por exemplo, relatórios de auditoria, avaliação de riscos, dados de acidentes e incidentes, requisitos legais. O tempo dispendido nesse estágio rende dividendos mais tarde. As palavras orientativas a seguir podem ser usadas para produzir a lista.

Palavras-guia relacionadas a questões que a organização deseja:

1) aumentar / melhorar:
por exemplo, relatórios de quase-acidentes; proteção de máquinas; treinamento; utilização de equipamentos de proteção individual; comunicações; percepções ou riscos aos funcionários;

2) manter / continuar:
por exemplo, inspeção de locais de trabalho; treinamento de supervisores; relatórios de acidentes;

3) reduzir:
por exemplo, eventos perigosos; eventos perigosos específicos relacionados a tropeços, escorregões e quedas; exposição a substâncias perigosas;

4) introduzir:
por exemplo, avaliação de riscos; plano de emergência; sistema para monitoramento ativo; treinamento estratégico de SST para administradores seniors; sistema de permissões de trabalho para tarefas específicas;

5) eliminar:
por exemplo, todos os eventos perigosos; uso de substâncias perigosas especificadas; utilização de equipamento danificado.

Selecionar e priorizar objetivos

Uma lista de objetivos esperados deve ser selecionada. Eles constituem a base para decisões sobre melhorias em um Sistema de Gestão da SST da organização, e em controles de riscos específicos. Sempre que possível, os objetivos devem ser:

  1. específicos;
  2. mensuráveis;
  3. atingíveis;
  4. pertinentes;
  5. oportunos.

A próxima tarefa é reduzir a lista até o ponto em que os objetivos-chave que emergem harmonizam-se com as necessidades da organização. Deve ser dada prioridade aos objetivos relacionados com requisitos legais específicos. Deve também ser dada atenção àqueles objetivos que podem ser atingidos com relativa facilidade e com baixo custo. Os objetivos-chave para começar, possivelmente, são relacionados a:

  1. coleta de informações;
  2. avaliação de riscos;
  3. manutenção dos controles existentes de riscos;
  4. soluções para falhas óbvias e específicas em controles existentes, tais como a falha de pessoal em usar equipamento de proteção.

Planos complexos para atingir objetivos de longo prazo, que podem ser difíceis de mensurar, são os mais difíceis de planejar e implementar de forma bem-sucedida.

O planejamento para atingir objetivos de baixa prioridade e de conseqüências limitadas devem seguir os mesmos procedimentos.

Quantificar objetivos e selecionar indicadores de resultados

A quantificação aqui significa que:

  1. objetivos para aumentar ou reduzir alguma coisa devem especificar um valor numérico (por exemplo, reduzir em 20% os acidentes de manuseio) e uma data para atingir esse objetivo;
  2. objetivos para introduzir ou eliminar alguma coisa devem ser alcançados em uma data específica;
  3. objetivos para manter ou continuar alguma coisa devem especificar o nível existente da atividade (por exemplo, os supervisores continuarem a inspecionar suas seções uma vez por semana).

Em alguns casos, pode não ser possível quantificar um objetivo, por exemplo, a eficácia das comunicações em um comitê de segurança. O que é importante nesse caso é selecionar indicadores de resultados apropriados, para confirmar se o objetivo foi alcançado. Os melhores indicadores de resultados devem ser quantitativos, mas os indicadores qualitativos também podem ser úteis.

Observar que o indicador de resultado para o objetivo "implementar um programa de avaliação de riscos" é simplesmente uma data. Porém, um objetivo mais minucioso e útil poderia ser "implementar um programa eficaz de avaliação de riscos". Nesse caso, são requeridos indicadores adicionais de resultados, para determinar se o programa de avaliação de riscos é mais que um exercício burocrático. O anexo E da BS 8800 analisa criticamente a gama e a adequabilidade de indicadores de resultados que podem ser apropriados.

Quando pertinente, é importante medir a "base": a situação anterior à implementação de um plano. Por exemplo, se um objetivo é reduzir o tempo gasto para se tomar uma ação a partir de sugestões do pessoal de apoio da SST, a organização deve descobrir quanto tempo isso leva atualmente.

Atribuição de responsabilidades e alocação de recursos

Esta parte do processo de planejamento envolve desenvolver, primeiramente, o conteúdo amplo do plano. Por exemplo, introduzir um programa de avaliação de riscos requer, entre outras coisas, as providências de comunicação e de consulta; treinamento em avaliação de riscos; classificação da atividade de trabalho e coleta de informações.

As metas são os requisitos detalhados de desempenho que podem ser atingidos por pessoas ou equipes designadas para implementar o plano. O plano deve especificar quem vai fazer o que, quando e com qual resultado.

As metas de desempenho devem ser claramente traçadas, de forma que as pessoas/equipes designadas saibam exatamente o que têm que fazer. Os funcionários aos quais são alocadas metas devem ser consultados sobre sua praticabilidade, e devem ser competentes para se encarregar das mesmas.

A documentação das metas pode ser usada mais tarde para verificar se o plano foi implementado. As metas de desempenho podem ser listadas como uma série de questões.

Devem também ser levadas em consideração as implicações relativas aos recursos a serem alocados. O plano deve ser orçado, e recursos financeiros adequados devem ser disponibilizados. O plano deve ter o apoio pleno da alta administração.

Do planejamento à implementação

O plano deve ser implementado de acordo com as especificações das metas. Porém, o plano não deve ser inflexível. Podem ser necessários ajustes como resposta a evidências iniciais de falhas em atender as metas, ou informações de que os indicadores de resultados não estão conduzindo para a direção desejada.

O atingimento das metas deve ser monitorado continuamente durante toda a vida do plano. Esse monitoramento é uma área-chave da mensuração do desempenho (essa questão é tratada em detalhes no anexo E da BS 8800).

As evidências de que as metas foram atingidas devem ser usadas para avaliar o sucesso da organização na implementação completa do plano.

As tendências dos indicadores de resultados devem ser continuamente monitoradas durante todo o período de duração do plano, e além dele, se necessário. As evidências dos indicadores de resultados devem ser usadas para julgar o sucesso da organização quanto ao atingimento de seu objetivo-chave.

Análise crítica

O quadro a seguir levanta duas questões básicas e mostra os quatro resultados básicos de um plano, perguntando essencialmente:

  1. implementamos nosso plano?
  2. E, nesse caso:

  3. era o plano certo?
  4. para um programa continuado, o objetivo e o plano são ainda pertinentes?

Esse quadro chama a atenção para a possibilidade de que um objetivo pode ser alcançado, a despeito de falha em implementar o plano. Isso pode ocorrer, tipicamente, quando o objetivo é reduzir acidentes. Por exemplo, uma redução no número de acidentes pode ser uma casualidade estatística ou resultado de uma redução da atividade no local de trabalho.

  O PLANO FOI IMPLEMENTADO?
SIM NÃO
O OBJETIVO FOI ALCANÇADO? SIM Nenhuma ação corretiva é requerida, mas continue a monitorar. O plano não foi pertinente. Descubra o que conduziu ao atingimento do objetivo.
NÃO O plano não é pertinente, por isso, prepare um novo plano. Faça novos esforços para implementar o plano; continue a medir os indicadores de resultados.

O quadro apresentado representa sucesso total e falha total. Na prática, os planos podem ser parcialmente eficazes; nesses casos, deve ser levada em consideração a necessidade de revisar o plano.

As organizações devem também analisar criticamente a eficácia dos custos de seus planos e objetivos. Pode ser que nem todos os elementos do plano contribuam para seu sucesso.

Finalmente, as organizações devem levar em conta se o objetivo é ainda pertinente. Por exemplo, o uso de protetor auricular pode não ser mais necessário, após a introdução de novas máquinas mais silenciosas.

A análise crítica deve ser realizada não somente para melhorar os resultados de um plano específico, mas também para melhorar a qualidade da tomada de decisões organizacionais em geral.

Para o leitor se exercitar

Como assinalamos no início deste artigo, o procedimento apresentado, embora esteja voltado para a gestão da Segurança e Saúde no Trabalho, pode ser perfeitamente utilizado, com as devidas adaptações, para os Sistemas da Qualidade e de Gestão Ambiental.

A título de exercício, convidamos o leitor a substituir alguns termos e situações específicas mencionadas no texto por palavras-chave e expressões, como as a seguir exemplificadas, que melhor caracterizem o planejamento do sistema de seu interesse:

  • Gestão da SST por "Gestão da Qualidade" ou "Gestão Ambiental";
  • Perigo por "Modo de Falha" ou "Aspecto Ambiental";
  • Acidente e Doença por "Falha" ou "Poluição";
  • Dano por "Efeito da Falha" ou "Impacto Ambiental";
  • Risco de Acidente e Doença por "Risco de Falha" ou "Risco Ambiental".

Esse exercício é, afinal, mais uma mostra da similaridade entre os conceitos e processos de Qualidade, Meio Ambiente e Segurança e Saúde no Trabalho, e da relativa simplicidade para o planejamento integrado dos Sistemas de Gestão.