QS-9000

Novembro/2000

A QS-9000 nas pequenas e médias empresas (1)

Diógenes de Souza Bido (2)

RESUMO

O objetivo deste trabalho é descrever como as empresas pesquisadas implementaram seus sistemas da qualidade, procurando identificar as diferenças e semelhanças entre a implementação em pequenas e médias empresas, bem como as diferenças e semelhanças entre a implementação da ISO 9000 e da QS-9000.

A partir da pesquisa bibliográfica foram levantados os aspectos mais importantes para a implementação do sistema da qualidade, que depois foram agrupados em categorias e serviram de base para a elaboração do modelo conceitual.

Para o estudo múltiplo de caso, oito empresas participaram da pesquisa de campo através de entrevistas semi-estruturadas, sendo que para cada combinação de norma e tamanho haviam duas empresas.

Após a descrição dos casos foi feita a análise em profundidade de acordo com as categorias: administração, recursos, gestão de RH, planejamento, apoio técnico, organização e tecnologia existentes antes da implementação e resultados obtidos com a implementação.

Os resultados desta pesquisa indicam que tanto para as empresas pequenas como para as médias têm sido utilizadas várias formas para a implementação do sistema da qualidade e as principais diferenças encontradas deveram-se ao tipo de norma aplicada (ISO 9000 ou QS-9000). Finalmente são feitas algumas recomendações práticas para a implementação de sistemas da qualidade.

Palavras-chave: 1. Qualidade total – Administração 2. Automóveis – Indústria e comércio – Brasil 3. ISO 9000

 

INTRODUÇÃO

Quando nos referimos à qualidade com pessoas dos mais variados ramos de atuação, é bem comum observarmos que este assunto já foi, e ainda tem sido, extensamente discutido, seja quanto à necessidade de se implementar sistemas da qualidade por exigência dos clientes, quanto à melhoria contínua dos produtos e processos ou mesmo para atender os requisitos, por exemplo, das normas da série ISO 9000 ou QS-9000 e obter a certificação do sistema da qualidade.

Por outro lado, existem muitos estudos sobre o desempenho dos sistemas implementados, alguns demonstrando as vantagens de se implementar sistemas da qualidade, sejam ISO 9000, QS-9000 ou TQM (Total Quality Management) (QS-9000, 1998; SISTEMA,1998) e outros demonstrando que a certificação do sistema da qualidade não teve os resultados esperados pelos empresários (BONVILLIAN, 1996) e ainda outros trabalhos reforçando que a certificação é o início de um processo de melhoria contínua e não um objetivo em si mesmo (CAMARGO & MELLO, 1998; CASTILHO, 1998; MARANHÃO, 1998; SILVA & NETO, 1998).

O presente trabalho torna-se relevante na medida em que procurará trazer contribuições para a Administração de Produção e o Desenvolvimento Organizacional a partir do estudo de casos reais, identificando as dificuldades que as pequenas e médias empresas paulistas têm encontrado, ainda hoje, para a implementação de sistemas da qualidade e o modo como elas têm superado estas dificuldades. Outra contribuição importante é de caráter prático, ou seja, trazer informações para os gerentes, consultores ou pessoas responsáveis pela implementação de sistemas da qualidade de forma que possam planejar a implementação com uma maior chance de se obter um sistema que atenda os objetivos da empresa com o mínimo de dificuldades ou erros.

OBJETIVO

Esta pesquisa foi feita com o objetivo de verificar como as empresas pesquisadas implementaram seus sistemas da qualidade, procurando identificar as diferenças e semelhanças entre a implementação em pequenas e médias empresas, bem como as diferenças e semelhanças entre a implementação da ISO 9000 e da QS-9000.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Para atingir os objetivos propostos partiu-se da revisão da literatura, identificando-se os aspectos mais importantes para a implementação do sistema da qualidade, o que resultou no quadro 1.

Quadro 1: Síntese das dificuldades, sugestões e características das pequenas e médias empresas abordadas na literatura pesquisada

dificuldades, sugestões e características das pequenas e médias empresas citação
(ver Fonte)

aspectos mais importantes

(a)

  • Treinamento interfuncional (cross-function).
  • Campo de treinamento de mão-de-obra especializada e formação de empresários.
  • Treinamentos ineficazes, seja conceitual para a qualidade, para a liderança, em ferramentas da qualidade ou mesmo dirigido a temas específicos.
  • Há muitos benefícios de treinar os funcionários tornando-os "participantes entusiasmados".
  • O treinamento de auditores internos também é um dos melhores investimentos, comparado com os custos de refazer partes do sistema depois.
  • Esforço especial no treinamento e na adequação do perfil das pessoas.
  • Treinamento precário, o treinamento deve ser de caráter contínuo de forma que os vários níveis organizacionais estejam envolvidos.
  • Escolha inadequada de multiplicadores, selecionar com base na capacidade de comunicação e de gerarem resultados.

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treinamentos

 

 

 

 

1

  • Falta de conhecimento técnico, informação externa para a tomada de decisão.
  • O gerente reconhece a necessidade de mudanças.
  • Há uma distância entre o conhecimento da companhia e a aplicação de instrumentos para a melhoria da qualidade.
  • A relevância do processo de implementação da qualidade é unanimamente reconhecida, mas não é realizado por metodologia apropriada.
  • A importância e o escopo da qualidade total não tem sido totalmente entendida.
  • A qualidade total tem sido considerada como um enfoque útil apenas para as empresas grandes.
  • A pequena empresa não deve encarar a tarefa de implementação como se estivesse sozinha, alguns grupos de suporte ajudam com informações e exemplos, inclusive pela Internet.
  • dono/gerente não entende as normas.
  • Método a ser utilizado para a implementação previamente definido.
  • Reconhecimento da necessidade de se ter consenso sobre a necessidade de mudança.
  • Conseguir consenso e comprometimento em torno de um plano de ação.
  • Planejamento inadequado, incluir metas, treinamento, metodologia a ser aplicada, velocidade de implementação, áreas a serem abordadas e pessoas envolvidas.

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b

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k

m

 

 

 

 

conhecimento sobre qualidade, sobre a necessidade de mudança e o processo de implementação

 

 

 

 

 

2

  • Alta visibilidade da liderança.
  • Empresa muito influenciada pela personalidade do executivo.
  • O dirigente não demonstra de forma adequada (visível) seu comprometimento com a implementação.
  • O gerente tem que adotar a filosofia da qualidade, dar o exemplo e vendê-la aos funcionários.
  • Começando com o comprometimento total do gerente (dono).
  • Falta de apoio da alta gerência.
  • Não envolvimento da alta direção (demonstração de interesse, "gastar tempo" em conversar com os colaboradores, melhor começar com um programa para iniciar o processo de mudança

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comprometi-mento visível do dirigente

 

 

 

3

  • Firmas maiores contratam especialistas em sistemas da qualidade.
  • Estilo de gerenciamento não sistemático e cético quanto à ajuda externa.
  • Foram estudadas duas empresas finlandesas de pequeno porte que utilizaram projetos e assessoria de alunos da universidade local para minimizar os custos de implementação.
  • Companhias menores têm menor capacidade para contratar serviços de treinamento e consultoria que ajudam na implementação.
  • As empresas, quando se organizam, podem tirar proveito de conferências com fornecedores locais, principalmente se especialistas em QS 9000 são convidados para falar.
  • Falta de apoio técnico: as pessoas envolvidas com a implementação se sentiam frustadas e incapacitadas de seguir em frente sem entender bem o que estava acontecendo. Apoio técnico pode ser externo ou desenvolvido internamente.

 

 

 

a

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m

 

consultores externos

ou

internos

 

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  • Falta de conhecimento das práticas de RH e de incentivos.
  • Inadequação dos sistemas tradicionais de remuneração (não vínculo ao nível de qualidade e satisfação dos clientes).
  • Tentar criar ameaças artificiais para motivar os empregados e efetuar mudanças.
  • Estrutura "plana" pode frustar os empregados por não ter plano de carreira.
  • Ligação do sistema de recompensa aos objetivos organizacionais e do programa da qualidade.
  • Sistema de remuneração inconsistente, associar o sistema de avaliação e remuneração ao programa da qualidade estimulando resultados em equipe.
  • Descuido com a motivação, mostrar os benefícios para as pessoas e as atitudes dos níveis superiores devem demonstrar continuamente o interesse pelos resultados do programa.

 

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m

 

 

 

 

 

 

motivação e sistema de remuneração

ou recompensa

 

 

 

 

 

5

  • Falta de recursos financeiros.
  • Dificuldade em obter créditos, mesmo a curto prazo.
  • Custo para implementar e manter o sistema da qualidade é forte restrição.
  • Recursos financeiros inadequados para implementar o sistema.

b, c, h

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b

j

Recursos financeiros

6

  • Visão míope do dono/gerente que foca apenas nos problemas do dia-a-dia em parte pela falta de habilidade de entender os aspectos estratégicos do negócio.
  • Direção relativamente pouco especializada.
  • O desdobramento da política apresenta muitas falhas, dificultando o estabelecimento de prioridades na companhia e reduzindo a efetividade da implementação de ações estratégicas.
  • A estratégia da qualidade ainda é pobre e restrita aos objetivos de curto e médio prazos.
  • Falta de conhecimento gerencial e econômico das pequenas empresas para garantir estratégias adequadas.
  • Falta de tempo para formular novas estratégias para a melhoria da produtividade e da qualidade.
  • Falta de planos de longo prazo para a melhoria da produtividade e qualidade.
  • Mesmo para empresas pequenas a qualidade tem deixado de ser apenas inspeção e tem sido encarada como uma ferramenta estratégica.

 

 

c

 

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g

 

 

 

 

 

 

 

Planejamento estratégico

 

 

 

 

 

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  • Quando a empresa cresce ela se torna mais complexa e os líderes precisam delegar a tomada de decisão, tornando a empresa mais descentralizada.
  • Reconhecimento da importância dos indivíduos (empowerment).
  • Não transferir real poder aos empregados.
  • Não deveriam ser usados comitês para solução de problemas porque o consenso pode chegar tarde, por isso é melhor delegar o trabalho e a autoridade para os indivíduos.

a

 

b

f

h

 

empowerment e delegação da decisão

 

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  • As normas para a melhoria da qualidade geralmente são numerosas e ambiciosas, mal definidas e não priorizadas estrategicamente.
  • Excessiva quantidade de papel exigida pela norma e os custos podem não ser justificados.
  • Drenar o espírito empreendedor e inovador e implantar rotinas e procedimentos.
  • Criação de uma burocracia interna paralela.
  • Benefícios intangíveis e/ou desproporcionais ao esforço.

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j

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l

 

rigidez devido ao excesso de burocracia

 

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  • Objetivos não realistas.
  • Comunicação clara dos objetivos e das alterações a serem implementadas.
  • Não-alinhamento com os objetivos estratégicos.
  • Ligação dos objetivos do sistema da qualidade com os objetivos estratégicos da empresa, definidos de forma clara e bem divulgados.

b

k

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l

 

 

 

Objetivos

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  • Pouco tempo disponível pela média gerência.
  • Baixo grau de comprometimento nos diversos níveis hierárquicos.
  • Desinteresse do nível gerencial, o nível gerencial tende a achar que a qualidade é algo óbvio e que não necessita grande energia ou dedicação. Os programas de qualidade são programas de envolvimento e comprometimento de pessoas e precisam do suporte de todas as camadas organizacionais.
  • Poucas pessoas desmotivadas ou staff não comprometido afeta desproporcionalmente a qualidade

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b

 

tempo, comprome-timento e motivação da gerência média

 

 

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  • Tentar implementar muito rapidamente o TQM, sem que a empresa se encontre em situação crítica.
  • Dar tempo ao tempo e encorajar a idéia de mudança como fator de adequação ao meio.
  • Ansiedade por resultados, expectativa exagerada, entender que a implementação da qualidade é gradual e conforme as pessoas se envolvem os resultados aparecem.

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k

m

 

velocidade de implementação

 

12

  • Funcionários mais próximos dos clientes (foco externo, conhecem as necessidades).
  • Estreita relação pessoal do proprietário com os empregados, clientes e fornecedores.
  • Melhor comunicação.

b

d

b

comunicação melhor para tamanho menor

13

  • Firmas menores tendem a ter menos procedimentos organizacionais elaborados.
  • Organizações rudimentares.

a

d

e

procedimentos organizacionais existentes

14

  • Para empresas maiores há maior presença de sindicatos.
  • Presença de sindicatos.

a

c

sindicatos

15

  • As empresas maiores subcontratam mais para se manterem no foco do negócio.
  • Papel complementar às atividades industriais mais complexas.

a

d

terceirização

16

  • Empresas pequenas não são fortes na concorrência baseada no preço (devido a escala) por isso procuram ser fortes na qualidade.
  • Falta de poder de barganha nas negociações de compra e venda.

a

d

falta de economia de escala

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  • Menor resistência à mudança.
  • Dificuldade em manter momentum da mudança.

b

l

Mudança

18

  • Falta de sistema para medida de desempenho.
  • Foco na imagem, não em fatos e resultados.

b

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medida de desempenho

19

  • Companhias menores que podem não ter os recursos de pessoal para executar as tarefas.
  • Recursos humanos dentro da empresa não estão disponíveis ou não conhecem a norma.

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disponibilidade de recursos humanos

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  • Foco nos processos internos (conhecidos e visíveis) e não nos mais críticos.
  • Foco em padrões mínimos, já existentes.
  • Dispersão de energias e dificuldade de separar meios de fins, foco no consumidor para evitar confusão entre meios e fins.

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l

foco nos processos críticos para atender os clientes

21

  • Melhor visibilidade (vertical e horizontal) dos times de melhoria.

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times de melhoria

22

  • Atmosfera que promove crescimento pessoal (encorajar idéias).

b

"Atmosfera"

23

  • Maior comprometimento dos indivíduos com resultados tangíveis.

b

resultados tangíveis

24

  • Processo de tomada de decisão mais simples.

b

tomada de decisão simples

25

  • Trabalho em equipe.

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Equipe

26

  • Integração funcional.

b

Integração funcional

27

  • Implementar o TQM para conquistar um prêmio ou porque os clientes o forçam a fazê-lo.

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Prêmio da qualidade

28

  • Esperar até que a empresa fique em situação difícil, para dar início ao TQM.

f

situação

29

  • Limitado número de estudos sobre a melhoria da produtividade e qualidade em pequenas empresas.

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poucos estudos

30

  • A escolha do órgão certificador deveria ser feita como se escolhe um professor ou médico, optando por um que seja rigoroso, claro e que você possa se comunicar.

h

órgão certificador

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  • As empresas deveriam procurar aprender de companhias similares do modo que for possível.

i

benchmarking

32

  • Investir em banco de dados relacionais e softwares para a elaboração de documentos e controle das revisões para diminuir o tempo gasto pela empresa no controle dos documentos.

i

Controle de documentos

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  • Escolha de um representante para a ISO 9000, com conhecimento dos processos, sistemas, normas e poder para influenciar os funcionários em todos os níveis.

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Representante da Administração

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  • Interferências do ambiente.

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"Ambiente"

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  • Efeito esponja (atração de todo tipo de problema).

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Atração de problemas

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  • Conflitos de interesse e poder; formação de grupos de evangelistas e céticos.

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Conflito de interesses

37

(a) A seqüência dos "aspectos mais importantes" foi feita procurando uma ordem decrescente do número de citações de diferentes autores.

Fonte: a = RODWELL & SHADUR (1997)
b = GHOBADIAN & GALLEAR (1996)
c = AHIRE (1996)
d = GONÇALVES e KOPROWSKI (1995)
e = NEGRI e GALLI (1997)
f = BROWN et al (1996)
g = GUNASEKARAN et al. (1996)
h = LARSON (1996)
i = EXPERTS (1996)
j = KARAPETROVICK et al (1997)
k = WOOD Jr. et al (1994)
l = WOOD Jr. e URDAN (1994).
m = TOLOVI (1994)

Os aspectos mais importantes para a implementação do sistema da qualidade foram agrupados em sete categorias: administração, recursos, gestão de RH, planejamento, apoio técnico, organização e tecnologia existentes antes de iniciar a implementação e os resultados obtidos com a certificação.

Em seguida, as categorias foram classificadas em:

  • gerenciáveis durante a implementação
  • fixas durante a implementação
  • relativas aos resultados

Esta classificação permitiu a elaboração do modelo conceitual básico (Fig. 1) e do questionário para a entrevista semi-estruturada.

Figura 1: Modelo conceitual básico do estudo

Para o estudo múltiplo de caso, oito empresas do ramo automotivo participaram da pesquisa de campo, sendo que haviam:

  • duas empresas pequenas (10 a 99 funcionários) certificadas na ISO 9000
  • duas empresas médias (100 a 499 funcionários) certificadas na ISO 9000
  • duas empresas pequenas certificadas na QS-9000
  • duas empresas médias certificadas na QS-9000

 

(1) O trabalho que deu origem a este artigo possui 205 páginas e está disponível como Dissertação (com o título "Implementação de sistemas da qualidade para a busca de certificação em pequenas e médias empresas do ramo automotivo" e defendida em 26/08/1999) na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA / USP) ou diretamente com o autor. Gostaríamos de agradecer às empresas que participaram desta pesquisa pelo fornecimento de informações referentes aos procedimentos adotados.

(2) Mestre e doutorando pela FEA / USP, Lead Assessor ISO 9000, CQA pela ASQ, professor na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Osasco (FITO / FEAO) e na Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo (FECAP / FACESP) Email: dbido@bol.com.br