Março/2002

Gestão da Qualidade

A Gestão de Recursos na Nova ISO 9001:2000
(1ª parte)

Jeanne Ketola
CEO da Pathway Consulting, Inc.
Kathy Roberts
Presidente da SunriseConsulting, Inc.

Quando a ISO 9001:2000, Sistemas de gestão da qualidade - Requisitos, foi divulgada em dezembro de 2000, o foco de atenção foram os requisitos novos e ampliados, que, sem dúvida, implicam numa importante reavaliação e revisão do sistema de gestão da qualidade (SGQ) de muitas organizações. Essas alterações estão diretamente relacionadas com satisfação do cliente, maior responsabilidade da direção e melhoria contínua, juntamente com a necessidade de se estabelecer um escopo para o SGQ que justifique quaisquer exclusões.
Dentre as 5 seções da ISO 9001:2000, a seção 6, Gestão de Recursos, é provavelmente uma das mais difíceis de ser implementadas. Muitas organizações poderão achar que ela esteja simplesmente substituindo a seção 4.18, Treinamento, da ISO 9001:1994, o elemento 4.1.2.2, Responsabilidade da Administração, Organização - Recursos, e dois requisitos da seção 4.9, Controle de Processo.
A tabela abaixo, derivada da Tabela B.2 do Anexo B, Correspondência entre NBR ISO 9001:2000 e NBR ISO 9001:1994, mostra a relação da seção 6 com suas antecessoras.

Tabela 1. A Seção 6 e as Seções/Subseções Correspondentes da ISO 9001:1994

ISO 9001:2000

ISO 9001:1994

6.1, Gestão de Recursos - Provisão de Recursos

4.1.2.2, Responsabilidade da Administração, Organização - Recursos

6.2.1, Recursos Humanos - Generalidades

4.1.2.2

6.2.2, Competência, Conscientização e Treinamento

4.18, Treinamento

6.3, Infra-Estrutura

4.9(b, d, g), Controle de Processo*

6.4, Ambiente de Trabalho

4.9(b), Controle de Processo*

* Os elementos da seção 4.9 identificados entre parênteses foram adicionados ao conteúdo do Anexo B, a fim de proporcionar maior especificidade quanto à correspondência.

Analisando-se mais cuidadosamente a seção 6, fica evidente que a ISO 9001:2000 exige mais do que uma simples provisão de recursos para treinamento, equipamentos adequados de produção e inspeção e um ambiente de trabalho adequado. Devido à introdução de uma nova linguagem abrangendo áreas como competência e infra-estrutura, a seção 6 desafiará as organizações a enxergarem a gestão de recursos como um expediente crucial para melhorar a eficácia do SGQ, aumentar a satisfação de clientes e determinar a "competência" de funcionários, instalações e ambientes de trabalho.
A conformidade com a seção 6 não apenas ajudará a satisfazer a muitos dos requisitos mais importantes da ISO 9001:2000, como poderá ajudar a organização a avaliar sua maneira de fazer negócios e aplicar recursos, e indicar oportunidades para tornar a organização mais competitiva. Convém que a organização considere os elementos da seção 6 como recursos que precisam ser gerenciados para a sobrevivência e o sucesso da organização, o que é particularmente crucial durante uma recaída de mercado.
A seção 6 define a gestão de recursos como um conjunto de quatro atividades: provisão de recursos, investimento e direção dos recursos humanos, manutenção da infra-estrutura e gestão do ambiente de trabalho. Para ajudá-lo a entender o que será necessário para atender aos requisitos de gestão de recursos em cada atividade - especialmente numa organização já certificada pela ISO 9001/2:1994 -, examinaremos a seguir cada atividade individualmente.

Provisão de Recursos para o SGQ

A seção 6.1, Provisão de Recursos, exige que a organização identifique e providencie os recursos necessários para a implementação e manutenção do SGQ e para a melhoria contínua de sua eficácia, e aumente a satisfação dos clientes fornecendo às operações da organização os recursos para atender a requisitos de clientes. Embora a ISO 9001:2000, Sistema de gestão da qualidade - Fundamentos e vocabulário, não defina "recursos" ou "gestão de recursos", a seção 6 aborda os seguintes itens que devem ser gerenciados, representando, portanto, uma lista de recursos mínimos:

  • pessoal;

  • edifícios, espaço de trabalho e instalações associadas;

  • equipamentos de processo (tanto materiais e equipamentos quanto programas de computador);

  • serviços de transporte e comunicação que sirvam de apoio para os processos da organização;

  • ambiente de trabalho adequado para os processos da organização.

Embora o título "Gestão de Recursos" possa levar alguns a pensar que esse seja um assunto unicamente dos departamentos de RH, Compras e Contabilidade, a seção 6.1 está no centro do SGQ e mostra que é dever da organização providenciar os meios para a criação, manutenção e melhoria de um SGQ que proporcione a satisfação das expectativas dos clientes.
Embora seja necessário o envolvimento dos departamentos de RH, Compras e Contabilidade, o objetivo final da seção 6.1 representa o real funcionamento de qualquer organização do ambiente empresarial hoje em dia. Enfim, a seção 6.1 remete-nos uma importante mensagem quanto à necessidade de prover todos os recursos para se alcançar a melhoria contínua e a satisfação dos clientes - elementos que podem ser encontrados em toda a ISO 9001:2000.
Tenha sempre em mente que a seção 6.1 exige uma constante avaliação das operações e decisões da organização quanto aos recursos necessários atualmente e futuramente para o bom funcionamento das operações. A organização deve executar as seguintes ações no processo de provisão de recursos

  • Determinar quais recursos - tais como equipes de melhoria de processo - são necessários para melhorar as operações. Ao analisar dados que possam fornecer pistas quanto às oportunidades de melhoria do SGQ, tais como relatórios de não-conformidades ou ações corretivas e preventivas, a organização deve ser capaz de definir com precisão quais os recursos necessários para implementar com eficácia as ações de melhoria identificadas.

  • Usar uma abordagem focada no cliente a fim de designar recursos para tratar de reclamações de clientes, conduzir inspeções e ensaios, manusear retornos de garantia, utilizar pesquisas de clientes, etc. A organização deve assegurar-se de que os recursos designados para essas atividades relacionadas com o cliente são suficientes para concluir a tarefa. Por exemplo, fornecer o melhor programa de relatório de não-conformidades ao pessoal responsável pelas reclamações de clientes, ou os mais precisos equipamentos de monitoramento (e treinamento) ao pessoal responsável pela inspeção de produtos recebidos de fornecedores ou produtos que serão liberados para o cliente, constituem esforços de designação de recursos em que é utilizada a abordagem focada no cliente.

A seção 6.1 proporciona uma flexibilidade significativa para se demonstrar conformidade; porém, a organização deve ser capaz de demonstrar que está provendo os recursos e, portanto, mantendo e melhorando continuamente o SGQ e atendendo aos requisitos dos clientes a fim de aumentar a satisfação deles.
Além de verificar a conformidade de todo o SGQ com os requisitos da ISO 9001:2000, os auditores dos organismos certificadores verificarão a conformidade do sistema com a seção 6.1, analisando criticamente os registros de satisfação de clientes e buscando evidências de que os comentários dos clientes tenham ocasionado ações preventivas ou esforços de melhoria contínua. Os auditores buscarão respostas para as seguintes perguntas:

  • O pessoal, os equipamentos, as ferramentas e os aferidores estão no devido lugar para servir de apoio para os processos de realização e inspeção?

  • A organização está reunindo e utilizando informações provenientes do cliente para se fortalecer, ou está apenas tentando satisfazer aos requisitos da seção 6.1?

Investimento e Direção de Recursos Humanos

A maioria das organizações considera seus funcionários como o recurso mais valioso - e caro. Numa época em que uma baixa econômica é acompanhada por uma taxa relativamente baixa de desemprego, a maioria das organizações está dando maior prioridade ao planejamento dos custos de contratação e retenção de pessoal, seguido das despesas de capital para novos equipamentos.
Embora seja óbvia a necessidade de tal investimento, muitas organizações fazem pouco planejamento para a aplicação de capital em outros recursos além da contratação de pessoal e compra de equipamentos. Isso fica evidente quando programas de treinamento são, muitas vezes, descartados e os esforços de melhoria recebem pouco apoio. No entanto, a ISO 9001:2000 exige que a organização, além dos custos de atividades de inspeção e auditoria, considere também os custos de gerenciamento de recursos para treinamento, atividades de melhoria e satisfação de clientes.
A seção 6.2, Recursos Humanos, contém requisitos de duas áreas da ISO 9001:1994, conforme mostra a Tabela 1. Assim como na edição 1994, os recursos necessários ainda devem ser identificados e providenciados, porém os tipos de recursos (ex.: pessoal de treinamento) para gestão, desempenho de trabalho e atividades de verificação, incluindo auditorias, são agora mais livres.
Por outro lado, a seção 6.2 da ISO 9001:2000 amplia especificamente os requisitos referentes a recursos, a fim de incluir o seguinte:

  • O pessoal que afeta a qualidade do produto deve ser competente em vez de qualificado, tendo sua competência determinada pela organização. A ISO 9000:2000 define "competência", na subseção 3.9.12, como "capacidade demonstrada para aplicar conhecimento e habilidades".


  • A organização deve assegurar a competência do pessoal por meio de ações consideradas eficazes, sendo o treinamento identificado como um tipo de ação.


  • O pessoal deve entender a "pertinência e importância de suas atividades" e a sua contribuição para a realização dos objetivos da qualidade.


  • Os registros são ampliados para incluir, além do item treinamento, os itens educação, habilidade e experiência.

Não é preciso uma documentação da competência necessária para uma determinada posição, mas apenas registros que demonstrem a competência do pessoal; porém, conhecer o nível de competência necessário para uma atividade ajudará a organização a determinar o nível de documentação necessário para o SGQ. A NOTA 2 da subseção 4.2.1, Requisitos de Documentação - Generalidades, declara: "A abrangência da documentação do sistema de gestão da qualidade pode diferir de uma organização para outra devido... (c) à competência do pessoal" (grifo nosso).
Portanto, a organização deve se perguntar: qual o tamanho da documentação de que nós precisamos para assegurar que o nosso SGQ seja eficaz para atender às nossas necessidades, e não apenas aos requisitos da ISO 9001:2000? A seção 6.2 não exige que sejam determinadas competências para cada posição específica, visto que alguns grupos de funcionários possuem o mesmo nível de competência necessária. Além disso, as descrições de atividade existentes e os processos e formas de avaliação do pessoal poderão satisfazer à seção 6.2.
Ademais, a ISO 9001:2000 se resume em dizer o que a organização faz, fazer o que ela afirma fazer e verificar se isso está sendo eficaz. A seção 6 simplesmente apela para que a organização reflita sobre a sua maneira de gerenciar recursos humanos e verifique se os esforços de gestão realizados abrangem todas as atividades que afetam a qualidade dos processos e produtos, podendo causar impacto na percepção dos clientes quanto ao produto e à organização.
Um dos benefícios de se identificar a competência básica para cada funcionário é o fato de a direção poder medir o desempenho do pessoal e identificar as necessidades de treinamento e/ou oportunidades de progresso, a fim de assegurar um ótimo desempenho. Convém que o pessoal seja comunicado sobre as necessidades de competência, para que cada funcionário entenda o que se espera dele antes de se candidatar a uma posição. Muitas organizações já estão colocando descrições de atividades na Internet ou fornecendo cópias aos funcionários, a fim de cumprir essa tarefa.
Uma vez identificada a competência, a organização pode determinar lacunas entre as necessidades de competência e a capacidade do funcionário. A maioria das organizações já avalia a competência utilizando análises críticas anuais de desempenho e testes ou observações de desempenho, embora outras fontes (ex.: análise crítica de relatórios de não-conformidades) possam apontar com precisão lacunas específicas entre as necessidades de competência e a capacidade do pessoal.
É nesse momento que a ação pode ser executada. Muitas organizações acham que o treinamento é a primeira e única ação possível; porém, muitas vezes, o treinamento é a solução mais dispendiosa e nem sempre resolverá os problemas de competência. A ISO 9001:2000 amplia as possibilidades de escolha declarando que outras ações, além de treinamento - incluindo modificação de procedimentos, terceirização de atividades específicas e rotação de pessoal para novas tarefas -, também poderiam ser aplicadas a fim de satisfazer às necessidades de competência.
Diferentemente da ISO 9001:1994, a seção 6.2 exige que a organização avalie a eficácia das ações executadas, o que significa assegurar-se de que o pessoal é competente para realizar seu trabalho e está recebendo o treinamento necessário (ex.: alterações na produção resultam no uso de novos equipamentos). Caso o retreinamento seja o método usado para resolver uma deficiência, a organização deve ser capaz de determinar se o treinamento fornecido foi eficaz. A avaliação da eficácia depende dos métodos implantados para medir resultados esperados.
Os métodos a seguir podem ser aplicados para se avaliar a eficácia de treinamentos e/ou outras ações de melhoria da competência individual ou do desempenho organizacional:

  • Realizar testes pré e pós-curso para determinar quanto os participantes aprenderam nas atividades de treinamento.


  • Comparar as tendências de rotatividade de funcionários antes e depois do treinamento ou de outras ações.


  • Comparar a produtividade antes e depois da implementação do treinamento ou de outras ações.


  • Observar o desempenho dos indivíduos a fim de determinar a sua eficácia, que poderia consistir numa simples avaliação dos funcionários quanto ao desempenho de suas tarefas.

  • (continua na próxima edição)

    Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP