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Setembro/2002

Responsabilidade Social

A QUALIDADE DE VIDA E DE TRABALHO DE JOVENS DO
ENSINO MÉDIO DA REDE PÚBLICA

Pesquisa mostra que o trabalho para
adolescentes, de modo geral, é penoso,
insalubre, interfere na formação intelectual,
e não contribui necessariamente na
formação dos jovens. O objetivo era saber
as condições de vida e trabalho deles.

Marcelo Gutierres
Agência USP de Notícias

Saber as condições de vida e trabalho de adolescentes do ensino médio, que atualmente trabalham ou não, é o objetivo de um estudo realizado pelas professoras Frida Marina Fischer, do Departamento de Saúde Ambiental, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Denize Cristina Oliveira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e equipe. "A idéia é avaliar as condições de trabalho dos estudantes: onde, quando, o que fazem e o que pensam sobre ele; os riscos presentes e os possíveis prejuízos à saúde e ao desenvolvimento educacional associados ao ofício. E as condições de vida destes estudantes", explica Frida Fischer.

O projeto, iniciado em 2000, terá os números finais em março de 2003. "Mas já podemos adiantar alguns dados conclusivos", conta Frida.

O estudo está dividido em três temas: condições de vida e trabalho; análise do ciclo vigília-sono; e avaliações das representações sociais de trabalho e saúde nos estudantes. Alunos dos períodos diurno e noturno, da Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus Fernão Dias Paes, no bairro de Pinheiros, Capital Paulista, colaboraram com a pesquisa. "Por enquanto, temos os resultados somente dos estudantes do noturno que responderam nossos questionários, ou seja, 354 jovens", comenta Márcio Lombardi Júnior, estudante de Psicologia da USP, e membro da equipe.

De acordo com a pesquisa, 52% dos alunos do noturno trabalham, sendo que deste total, 45,7% sem carteira assinada. Declararam-se desempregados, 24%. E 62% sentem dores no corpo associados ao trabalho. O estudo revela que aqueles que estão submetidos a maiores exigências psicológicas no trabalho têm três vezes mais chances de terem dores no corpo do que os que não sofrem esse tipo de pressão. "Isso é um fator de risco para estes jovens que pode levá-los a sentir dores no corpo, acarretar lesões músculo-esqueléticas que incapacitam temporária ou definitivamente para a vida ativa de trabalho", explica Frida.

Outros itens foram analisados, como depressão, auto-estima, problemas no bairro em que moram e onde estudam, distúrbios de sono e relato de insônia. Na escala de depressão, verificou-se que 9% dos adolescentes estão com algum transtorno depressivo maior, ou seja, necessitam de auxílio imediato. "Nos dados preliminares dos alunos da manhã, 23% dos que responderam ao questionário apresentam quadro depressivo", conta Márcio Lombardi Jr.

Roberta Nagai, formada em Ciências Biológicas e que também integra a equipe, relata que o que mais chamou a sua atenção durante os trabalhos foi o índice de respostas à seguinte pergunta: "Você está com a idéia de que estaria melhor morto ou então de fazer algo contra você mesmo?". "Dos que responderam, 15,8% disseram sim a esta questão", relata Roberta.

"Os resultados desse estudo desmentem idéias divulgadas na sociedade que o trabalho de adolescentes é inócuo, faz bem, é bom e que constrói uma sociedade mais justa. Isso não é verdade. Ele freqüentemente é penoso, insalubre, interfere na formação intelectual, e não necessariamente contribui na formação dos jovens trabalhadores", diz Frida.

Análise do sono
A contribuição da bióloga Liliane Reis Teixeira à pesquisa é por intermédio de seu mestrado, Análise dos padrões do ciclo vigília-sono de adolescentes trabalhadores e não trabalhadores, alunos de escola pública no município de São Paulo, com apresentada no dia 21 de agosto passado.

"Queríamos ver o quanto e como dorme o trabalhador adolescente e se há algum prejuízo em suas atividades sociais e estudantis", ressalta a pesquisadora. Ela explica que o jovem dorme relativamente mais do que o adulto porque está em fase de desenvolvimento. "É uma necessidade biológica." Liliane observou que a média em horas de sono diária dos jovens pesquisados é de 7 a 7 horas e meia. "A conseqüência imediata é uma sonolência acentuada durante o dia, podendo gerar desde desatenção à acidente de trabalho."

No estudo, a pesquisadora utilizou o actígrafo, aparelho que usado no pulso como um relógio, detecta períodos de atividade e repouso da pessoa. Os 27 alunos que usaram o aparelho tiveram suas atividades monitoradas durante 15 dias consecutivos.

O trabalho conclui que os jovens trabalhadores sofrem prejuízos em suas atividades estudantis e sociais pelo fato de terem uma sobrecarga devido à sua rotina. As saídas apontadas no estudo seriam uma reformulação do programa e horário escolar, com aulas aos sábados, por exemplo. Ou aumentar o período de formação de quem estuda à noite. "Ele teoricamente perderia um ano mas ganharia em qualidade de ensino."

Mais informações sobre o projeto: fmfische@usp.br