Responsabilidade Social POR QUE MONITORAR, DE FORMA EFICAZ E
CONFIÁVEL, Doug DeRuisseau A Globalização e o seu Impacto O nível de conscientização quanto à globalização e ao seu impacto nos setores comercial e privado de todo o mundo tem crescido dramaticamente nos últimos anos. Hoje, mais do que nunca, as empresas vêem a oportunidade e a necessidade de reduzirem custos de produção, a fim de competirem com eficácia no mercado mundial. Nos últimos anos, o considerável aumento do comércio entre os países tem sido favorecido pelas dramáticas melhorias nas telecomunicações, pela facilidade de se movimentar dinheiro ao redor do mundo por meios eletrônicos e pela enorme melhoria na capacidade de países em desenvolvimento para atender às necessidades de produção e aos altos padrões de qualidade das nações setentrionais. Isso tem se mostrado uma grande vantagem para o comércio exterior e para os incontáveis trabalhadores de países em desenvolvimento, muitos dos quais tinham poucas oportunidades de emprego e, agora, podem receber dinheiro para dar suporte a suas famílias e buscar uma vida melhor. Entretanto, alguns trabalhadores de países industrializados sentem-se ameaçados à medida que os empregos na indústria tornam-se vítimas da expansão da cadeia de fornecimento para o exterior. Algumas ONGs (Organizações Não-Governamentais) estão preocupadas e desconfiadas de que as empresas estejam melhorando seus resultados financeiros tirando vantagem da mão-de-obra abundante, formada em grande parte por trabalhadores que têm poucas opções e, muitas vezes, são obrigados a se submeter a condições desumanas em troca de salários mínimos, num ambiente onde a liberdade de associação e a representação de trabalhadores são inexistentes, e o controle da empresa é total. Uma coisa, porém, está se tornando bastante clara para todas as partes. Esse não é um ciclo que deverá perdurar, mas, certamente, é uma tendência que se iniciou séculos atrás e continuará a aumentar com o passar do tempo. A agitação social tem se tornado evidente nos últimos anos nas reuniões da OMC (Organização Mundial do Comércio) e nas reuniões de cúpula do G-8; porém, a mídia tem enfatizado que não se pode simplesmente restringir essa agitação a atividades de um único elemento fundamental. As implicações a longo prazo da globalização serão profundas e duradouras para empresas, trabalhadores, consumidores e para o governo. Embora a transferência da capacidade de produção para países em desenvolvimento, com vontade e capacidade para produzir mercadorias a custos reduzidos devido à mão-de-obra barata, não seja nova, esse processo tem assumido atualmente maior importância na economia mundial. As corporações, sensíveis ao sentimento de consumidores, acionistas e outras partes envolvidas, incluindo seus próprios funcionários, têm examinado de perto suas cadeias de fornecimento, a fim de escolher o método de monitoramento contínuo que melhor se adapte às suas necessidades. As empresas estão percebendo sua responsabilidade quanto à conduta dos fornecedores e a necessidade de fazerem sinceros esforços para garantir que seus fornecedores atendam a requisitos fundamentais relacionados aos direitos humanos, principalmente aqueles descritos em instrumentos como as Convenções da OIT, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos e a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. Evidentemente, os consumidores estão ficando impacientes e cada vez mais preocupados com as condições sob as quais são produzidas as mercadorias; e os acionistas, os clientes e a mídia estão responsabilizando as corporações pela origem dos produtos, exigindo que eles sejam fornecidos por empresas que atendam requisitos éticos fundamentais. Essas corporações agora precisam considerar a "exposição ao risco" ao lidar com fábricas que não atendam tais requisitos básicos, visto que seu nome ou marca poderá ser rapidamente atacado na imprensa e na internet e sofrer imensurável dano no mercado. A fim de garantir que os fornecedores atendam aos requisitos fundamentais da área de direitos humanos e evitar e/ou minimizar a perspectiva de problemas causados por tal "imagem", quase todas as principais empresas do mundo industrializado possuem atualmente códigos de conduta. Para impor esses "valores" ou códigos locais, as empresas utilizam seus próprios departamentos de verificação da conformidade, um organismo de primeira parte ou uma auto-avaliação, ou organizações externas de monitoramento, que realizam em seu nome auditorias de segunda parte. (A avaliação de terceira parte será discutida posteriormente neste artigo). Em geral, esses códigos são estruturados ao redor de questões de direitos humanos comumente reconhecidas, tais como proibição de mão-de-obra infantil, rejeição de práticas discriminatórias, pagamento de trabalhadores de acordo com a lei local e a proibição de que os funcionários trabalhem contra sua vontade em condições inseguras. Milhares de auditorias baseadas em "códigos de conduta" são realizadas todo ano, a fim de avaliar e melhorar as práticas de empresas em todo o mundo. Entretanto, mesmo com auditorias freqüentes e rigorosas para monitoramento dos códigos, empresas continuam sendo atacadas à medida que são trazidos perante o público alegados casos de abuso dos direitos humanos. Histórias de trabalhadores mal-remunerados, ludibriados e levados a assinar contratos "sombrios" em que renunciam seus direitos, e de trabalhadores que são obrigados a viver em casas inferiores ao padrão, tendo pouco dinheiro para comprar roupas e pouca comida para sustentar sua família, têm sido repetidamente expostas pela imprensa escrita e pela televisão nos últimos anos. Tudo isso tem servido unicamente para aumentar o nível de ativismo. Evidentemente, o monitoramento de códigos não tem sido suficiente para se alcançar os resultados esperados quanto à implementação desses códigos e à confiança do público. A credibilidade de tais sistemas para garantir a justiça social no ambiente de trabalho tem sido considerada essencialmente deficiente. O Dilema da Auditoria de Conformidade Social Embora pareça inerente e teoricamente lógico que uma Corporação Multi-Nacional (CMN) estabeleça códigos e normas para a conformidade de seus fornecedores com uma série de valores e regras, a dificuldade está nos métodos e procedimentos empregados para garantir que o desempenho-padrão seja atendido e mantido nessa área. Na prática, o primeiro problema a ser superado é determinar o nível de conformidade necessário para se atender a um requisito em particular. Por exemplo, apesar de quase todos os códigos de conduta proibirem o uso de mão-de-obra infantil por fornecedores, o trabalho infantil continua sendo um grande problema no setor manufatureiro, para indústrias específicas de várias regiões e países. Tal situação não deveria nos surpreender, pois é resultado direto da formação sócio-econômica de uma região; as crianças trabalham porque a família necessita de dinheiro e quer que o filho trabalhe. Isso tem causado recentemente constrangimento para uma série de empresas famosas e líderes na indústria de roupas e calçados. Mesmo que os esforços das CMNs sejam bem-intencionados, a verdade é que, na essência, as auditorias locais e aleatórias de fornecedores, conduzidas durante um certo período de tempo, têm fracassado em identificar um número significativo de casos envolvendo o uso de mão-de-obra infantil. A falta de registros de nascimento, a falsificação de carteiras de identidade, a falta de tempo adequado para a auditoria de uma área maior da indústria, ou simplesmente a falta de dedicação das equipes de auditoria envolvidas podem fazer com que o trabalho infantil não seja identificado em uma fábrica; ou, então, as crianças podem simplesmente ser retiradas das dependências no(s) dia(s) da avaliação. Esses problemas só poderiam ser maiores se a visita para avaliação do local fosse realizada apenas uma vez, não havendo acompanhamento e monitoramento durante um determinado período de tempo. Nesse caso, poderia haver poucos incentivos para a redução do uso de mão-de-obra infantil. Algumas CMNs tomam uma medida que consiste em exigir de seus fornecedores a conformidade com leis e regulamentos locais, que, obviamente, variam de país para país. Essa parece uma medida boa e relativamente simples, até se descobrir que algumas das próprias leis envolvidas violam questões de direitos humanos. Algumas leis permitem que as empresas retenham passaportes ou documentos a fim de exercer total controle sobre o trabalhador, um recurso usado para garantir que o trabalhador cumpra com o acordo contratual. Outras permitem que os trabalhadores sejam multados arbitrariamente a fim de serem impostas práticas e procedimentos da empresa. Outras ainda, contrariando as convenções da OIT, permitem excessivas horas-extras, condição que está claramente ligada a lesões e mortes de trabalhadores. Também, no que se refere ao "livre comércio" ou "zonas francas", áreas isentas de impostos e destinadas a atrair investimento do exterior e propagar a industrialização, já é comum e de se esperar que essas zonas estejam acima da lei local. Em geral, devido a fatores "excepcionais" ou "atenuantes", esses casos assumem a forma de "isenções" de leis locais, que muitas vezes são prontamente aprovadas por autoridades locais. Por exemplo, duas condições apontadas e valorizadas pelas CMNs, ao buscar parceiros estrangeiros para sua cadeia de fornecimento, são a ilimitação de horas-extras e a inexistência de sindicatos. Nesse caso, é mais provável que o(s) auditor(es) conduzindo a auditoria de conformidade aceite(m) a isenção local, já que sua tarefa é verificar se a empresa local está seguindo a lei. Poucos auditores criariam um problema a partir dessa situação. Quando uma equipe de auditoria busca evidência de conformidade com uma lista de requisitos ou normas, recebida para ser utilizada na avaliação, é necessário que ela tenha um ponto de referência. Na maioria das vezes, isso pode ser conseguido, pelo menos em parte, com uma lista de verificação pré-impressa na qual o auditor possa se basear para avaliar o local. Entretanto, é necessário também que a equipe de auditoria interprete as situações verificadas no local auditado, a fim de determinar se elas atendem aos requisitos - aí é que surgem as dificuldades. No que exatamente consiste o trabalho forçado? Quando um dormitório está suficientemente limpo para satisfazer o requisito de moradia adequada? Quanto deveria ser permitido à empresa cobrar de um trabalhador por um dormitório, e quantas mulheres é permitido morar num mesmo quarto? Se uma mulher muçulmana, vestindo roupas folgadas de acordo com sua religião, estiver operando uma máquina com partes móveis que possa machucá-la, o direito de expressão religiosa excederá as considerações óbvias de segurança e saúde que poderiam ameaçar seu bem-estar? Esses são apenas alguns exemplos de questões inquietantes que surgem na avaliação de fábricas e propriedades rurais e que devem ser avaliadas e aceitas ou rejeitadas pelo avaliador. Além dos problemas de interpretação encontrados pelos auditores durante o monitoramento de fornecedores, a dificuldade de garantir que todos os auditores interpretem as situações da mesma forma é, talvez, o maior obstáculo para a manutenção desses programas de monitoramento. Embora as listas de verificação pareçam uma solução sensata para os problemas de interpretação que possam surgir, a experiência nos mostra que os níveis de interpretação e aceitação dos auditores podem variar tremendamente. Cada situação deve ser julgada num ambiente separado e distinto, o qual é influenciado pela cultura, pela religião, pelas leis e pelas normas locais. O grau de variação introduzido no processo de avaliação é extremamente alto, e o processo de auditoria precisa se basear grandemente na lógica, no raciocínio e na interpretação do auditor à luz das expectativas da organização-cliente. A menos que essa variação seja controlada por meio de um treinamento rigoroso e um monitoramento contínuo das equipes de inspeção, ela resultará, sem dúvida alguma, em casos substanciais de desvio. Esse fato foi comprovado em várias ocasiões, quando dependências inspecionadas foram encontradas em desacordo com inúmeros códigos referentes a salário, segurança e saúde, e, mesmo assim, haviam passado no teste de um grande número de equipes de auditoria representando CMNs renomadas e influentes. Por outro lado, códigos demasiadamente detalhados tendem a indicar os requisitos máximos, e não os requisitos mínimos que deveriam ser definidos. Acima de tudo, os consumidores e as organizações consumidoras ficam frustrados com sua incapacidade para diferenciar os produtos, a fim de determinar aqueles que são produzidos sob condições de trabalho decentes. Relutam em aceitar a palavra de empresas que afirmam ter um programa de monitoramento interno, que é o da abordagem da auditoria de primeira parte, que garantirá a justiça social. Na verdade, várias empresas têm sido denunciadas na mídia por afirmar categoricamente que nenhum de seus produtos é fabricado por mão-de-obra infantil, quando ficou provado que, em pelo menos uma fábrica, a mão-de-obra infantil estava sendo empregada. Organizações líderes no mercado, que lidam com o trabalho infantil, acreditam piamente que nenhuma empresa atual pode afirmar com certeza semelhante coisa. Tais afirmações servem para levantar dúvidas na mente dos consumidores e, na verdade, ceticismo, já que isso é visto como uma tática para fortalecer a campanha publicitária da empresa e ganhar participação no mercado, apelando para a consciência social. A verdade é que muitos fornecedores atualmente pagam salários menos do que adequados, violam os mais básicos regulamentos de segurança e saúde, forçam os funcionários a trabalhar muitas horas-extras sem um dia sequer de descanso, empregam várias formas de punição e trabalho forçado, e deixam de reconhecer os direitos dos trabalhadores de se organizar e associar livremente. O que mais poderia ser feito para corrigir essa situação? O que poderia ser feito para incentivar práticas responsáveis de trabalho? Clique aqui para ler a 2ª parte do artigo. Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP. |