Gestão Ambiental FERRARI: QUANDO A FÓRMULA UM É
"FÓRMULA GENTE" Virginia Shuey Vergani
Nos últimos anos, a Ferrari tem conquistado antecipadamente - e com folga - o título de Fórmula Um. Modelo de arte e alta tecnologia, a Ferrari
se uniu aos principais fabricantes de equipamentos originais (OEMs) ao obter a certificação ISO 14001:1996, à qual
atribui grande parte de seu extraordinário sucesso.
"Para se fazer carros extraordinários, é preciso ter homens e mulheres
extraordinários trabalhando num ambiente extraordinário", declarou Luca
Cordero di Montezemolo, presidente e diretor administrativo da Ferrari S.p.A.,
quando questionado por que uma empresa sinônima de carros de corrida e carros
esportivos de luxo decidira buscar a implementação de um Sistema de Gestão Ambiental
(SGA), elevando-o a um extraordinário nível de "desempenho
ambiental".
Quando eu digo extraordinário não é exagero. Quando entrei na fábrica da
Ferrari em Maranello, uma pequena cidade na região de Modena, ao sudeste de
Veneza, pensei ter entrado por engano na exuberante estufa de uma mansão
paladiana. Duas enormes áreas arborizadas, apinhadas de árvores, samambaias e
arbustos, ladeavam ilhas de "técnicos de colarinho branco" - como
são chamados os trabalhadores na Ferrari -, que montavam carros manualmente,
enquanto canteiros de flores contornavam a área onde uma equipe técnica
feminina trabalhava com componentes de carros.
Apesar do sol escaldante lá fora, o ar era ameno e fresco - não condicionado
-, devido a uma estufa de parede dupla que afasta o calor no verão e acumula-o
no inverno. O ruído é abafado, e a vista é acalmada pela predominância de
cinza prateado com pinceladas de um vermelho vivo. O ambiente de trabalho na
fábrica de Maranello, que é bastante grande e abriga quase todas as
operações da Ferrari, é o resultado da avaliação dos aspectos ambientais da
empresa e da decisão de se reduzir os impactos negativos da fábrica e, ao
mesmo tempo, aumentar os impactos positivos.
"Você não encontrará nenhuma outra fábrica de carros em todo o mundo
com um ambiente de trabalho tão moderno como esse, em termos de conforto,
iluminação, limpeza e ordem", comentou Franco Magagni, engenheiro-chefe e
diretor industrial da Ferrari, S.p.A., que me proporcionou uma visita às
instalações. "E foi a ISO 14001 que mais contribuiu para que
conseguíssemos isso. Eu, pessoalmente, queria que as nossas instalações
fossem certificadas pela ISO 14001, e estou muito orgulhoso de termos conseguido
isso".
Magagni observou que a Ferrari já havia conseguido implementar seu Sistema de Gestão da
Qualidade (SGQ) e certificar suas instalações de GT (carros Gran
Turismo ou esportivos de luxo) com a ISO 9002:1994, entre 1994 e 1996 - sendo
que a transição "edição 2000" está atualmente em andamento -,
quando se iniciou a implementação da ISO 14001:1996. Esse fato foi confirmado
pelo organismo que certificou a Ferrari. "A Ferrari foi certificada pela
ISO 9002:1994 - certificado de número 1000, emitido em 27 de junho de 1996 pelo
DNV da Itália -, sendo que o escopo mencionado no certificado abrange os
"serviços de fabricação, venda e pós-venda de carros GT",
confirmou Leonardo Omodeo-Zorini, gerente de questões institucionais referentes
à certificação da região sul-européia, no Ministério Regional do DNV, em
Milão.
"O certificado abrange a principal fábrica de Maranello e a fábrica de
Scaglietti, em Modena, onde a Ferrari faz o apainelamento de seus carros GT. A
Maserati também recebeu a certificação ISO 9002:1994 pelo DNV da Itália -
certificado de número 6500, efetivado em 26 de junho de 2000 -, tendo como
escopo os serviços de fabricação, venda e pós-venda de carros GT".
Magagni e Omodeo-Zorini mencionaram que a Ferrari obteve a certificação ISO
14001 de suas instalações em 21 de dezembro de 2001. "O certificado ISO
14001:1996 de número 300, emitido pelo DNV italiano, declara que o escopo do
SGA da Ferrari é: 'Projeto e fabricação de carros GT por meio de: projeto e
desenvolvimento, fundição de liga, usinagem mecânica, apainelamento, pintura
e montagem. Fabricação de carros de corrida por meio de: fundição de liga,
fabricação e pintura de materiais compostos, usinagem mecânica e montagem.
Excluindo-se as atividades realizadas sob o monitoramento de ensaio da Fiorano'",
relatou Omodeo-Zorini. O certificado 14001 inclui a fábrica principal de
Maranello, a fábrica de Scaglietti em Modena, onde a Ferrari faz o
apainelamento de seus carros GT, e a 'Gestione Industriale and Gestione Sportiva',
localizada em Maranello".
A implementação do SGA da Ferrari começou bem antes de se iniciar a busca
pela certificação, sendo que o sistema baseado na ISO 14001 começou a tomar
forma e causar impacto em suas operações no ano de 2000, fato que Magagni
enfatizou. "A Ferrari começou a criar seu SGA com o objetivo de obter a
certificação ISO 14001 entre setembro e outubro de 2000", observou
Omodeo-Zorini. "Na verdade, o DNV da Itália realizou uma pré-avaliação
no início de setembro de 2001".
Magagni reconhece que essas conquistas em termos de sistemas de gestão
proporcionaram à Ferrari o monopólio sobre a implementação de sistemas de
gestão eficazes, entre todos os fabricantes de carros esportes de luxo e carros
de corrida do mundo (veja abaixo o perfil da Ferrari). "Aliás, há mais
uma coisa sobre a qual nós temos o monopólio. Nós somos a primeira companhia
de carros a certificar todo o aspecto de fabricação de acordo com a ISO
14001", pronunciou Magagni. E acrescentou: "Quanto a isso, nós somos
absolutamente originais". O Impacto da ISO 9002 e da ISO 14001 sobre a Ferrari
Embora Magagni já tivesse dito que desejava a certificação ISO 14001,
perguntei-lhe se a Ferrari havia buscado a certificação do SGQ e do SGA devido
à concorrência no mercado ou à exigência dos clientes. "Obviamente, um
cliente não compra uma Ferrari porque a empresa é certificada", respondeu
Magagni. "Nós decidimos, por conta própria, seguir o caminho da
certificação ISO porque víamos essa abordagem de gestão como uma preciosa
ferramenta para a empresa, que nos ajudaria a adotar métodos e procedimentos
rigorosos que garantiriam não apenas a inovação, mas também a eficiência e
a eficácia. Achamos que seria uma garantia de que o nosso produto estaria à
altura das expectativas, que, no caso da Ferrari, são evidentemente
astronômicas".
De acordo com Magagni, o que a Ferrari obteve de seus sistemas da qualidade
certificados pela ISO 9002 foi um produto mais consistente, qualitativamente
falando. "Dessa forma, nossos processos industriais também melhoraram,
pois há menos desperdício, menos operações que não agregam valor e, no caso
da ISO 14001, menos poluição. Além disso, a rigorosa filosofia que orienta a
empresa, infundida pelo fundador Enzo Ferrari, consiste em produzir inovação
contínua e diária. Na verdade, quando Enzo Ferrari estava no comando, o rigor
imposto era tão grande que qualquer trabalhador que não aparecesse
regularmente com uma nova idéia estava fora de questão. Hoje, graças às
certificações ISO 9002 e ISO 14001, casou-se o produto dessa filosofia com
método e meticulosidade".
Quanto à ISO 9002 e à ISO 14001, a Ferrari considerou os requisitos de
documentação como os mais difíceis de se atender. A necessidade de se
implementar os procedimentos documentados exigidos pelas normas,
acrescentando-se outros procedimentos e documentações quando necessários e
controlando-se a documentação e os registros do SGQ e do SGA, foi um desafio
porque implicou na mudança da antiga maneira de se realizar os processos.
"Nosso processo de revisão incluiu as mais abrangentes alterações
exigidas pelas normas, além de algumas alterações em procedimentos que
abrangiam nossas funções e a necessidade de implementar treinamentos, a fim de
harmonizar a conduta do pessoal com a abordagem do sistema de gestão",
detalhou Magagni.
E, conforme ele salientou, isso foi apenas o básico para se estabelecer um
sistema modelo. "Depois, passou a ser uma questão de garantir a
sustentabilidade do rigor imposto pela certificação, o que achamos
extremamente difícil de fazer. Essa foi uma grande mudança na nossa maneira de
fazer as coisas, principalmente no caso da 14001. "Uma coisa é respeitar as leis do país - por exemplo, até recentemente,
a Itália não tinha nenhuma lei rígida regulando o meio ambiente -, e outra
coisa totalmente diferente é colocar todos os procedimentos internos em
harmonia com essas leis, de forma que o respeito a elas seja garantido pelos
seus processos continuamente.
"Mas não houve qualquer resistência da parte dos nossos funcionários em
fazer essas alterações". Implementação e Benefícios
A abordagem da Ferrari com relação à implementação de sistemas de gestão
reflete sua filosofia quanto ao projeto e à criação de veículos de alto
desempenho: Tome o tempo necessário para fazê-lo bem feito, aplique recursos
adequados e certifique-se de que os sistemas atendem às necessidades do
usuário. A Ferrari levou aproximadamente dois anos para implementar seu SGQ e
obter a certificação ISO 9002:1994 de suas instalações, levando cerca de um
ano e meio para conseguir, posteriormente, a implementação do SGA.
"Na teoria, suponho que tenhamos feito isso em menos tempo", admitiu
Magagni. "Mas, numa empresa como a nossa, que lida com as mais sofisticadas
tecnologias, apressar o processo significaria estar apenas interessado em um
documento para meter na parede em vez de sistemas de gestão que pudessem
melhorar nossos processos e tornar eficaz nosso desempenho".
Magagni calcula que a implementação e a certificação pelas duas normas
custaram aproximadamente US$1,5 milhão, mas acredita piamente que a Ferrari já
tenha testemunhado um tremendo retorno sobre o investimento, conforme
demonstrado nos números da tabela abaixo e em outros meios que vão além do
simples cálculo. "Já recuperamos nosso investimento em forma de maior
respeito e devoção por parte dos nossos clientes. No que diz respeito à ISO
14001, conseguimos um maior grau de lealdade das pessoas que trabalham para
nós".
Na verdade, a Ferrari calcula que, além das economias de custo resultantes da redução do uso de energia e do descarte de sucata, devido ao projeto voltado para a economia de energia e aos esforços para tornar seus processos mais enxutos, significativas economias podem ser atribuídas à redução de rotatividade de pessoal, graças às melhorias no meio ambiente e ao comprometimento da empresa com a gestão de seus impactos ambientais. "Treinar o pessoal da empresa custa uma fortuna", enfatizou Magagni. Magagni prosseguiu ilustrando por que a ISO 14001 ajudou a Ferrari a vencer a concorrência no mercado de produtos e no mercado de trabalho. "A região onde atuamos, Emilia Romagna - uma das áreas mais ricas da Itália -, possui um índice quase nulo de desemprego, sendo o tema de muitas pesquisas realizadas por economistas americanos. O resultado para a Ferrari? Um dos grandes problemas que tivemos por vários anos foi o "brain drain" - perda de muitos dos nossos funcionários, que escapuliam para empregos em "pastos mais verdes" após terem trabalhado aqui por alguns anos. "Em partes como resultado do SGA que implementamos para obter a certificação ISO 14001, conseguimos reduzir, durante os últimos anos, essa rotatividade para a metade e, depois, para um terço do que era antes! Não importa se você ganha um dólar a mais ou um dólar a menos; para a maioria dos técnicos, projetistas, engenheiros e qualquer outro grupo, o valor de se trabalhar num ambiente saudável e confortável é incalculável. Nossos funcionários perceberam isso e agora preferem ficar conosco". A redução da rotatividade não apenas reduziu os custos relacionados com o recrutamento e treinamento de novos funcionários, como também gerou notáveis melhorias na produtividade e na qualidade do produto, devido à consistência da força de trabalho. Com uma força de trabalho consistente, os funcionários podem focalizar o uso de procedimentos conforme desejado, reduzindo, portanto, a variação dos processos e dos produtos, e a direção pode trabalhar com os funcionários para identificar as oportunidades para melhoria de procedimentos e produtos, a fim de aumentar a eficiência e reduzir as não-conformidades e o desperdício. Sem uma força de trabalho consistente, a implementação de um SGQ e de um SGA, a fim de proporcionar procedimentos consistentes desde o projeto e aquisição até a produção e entrega, não reduziria necessariamente a variação em relação às especificações do produto, nem minimizaria os impactos ambientais. Em vez disso, os novos funcionários estariam muito ocupados tentando ser eficientes em suas tarefas, e a direção se concentraria na correção de não-conformidades causadas pela falha dos funcionários inexperientes seguindo indevidamente os procedimentos. Um importante fator para que a ISO 9002 e a ISO 14001 funcionem numa organização onde os trabalhadores fabricam minuciosamente cada produto - em vez de produzir em massa os componentes e o produto final - é o treinamento, já que a documentação dos intrincados procedimentos realizados por um ou alguns dos técnicos não é algo muito prático. "O treinamento sempre foi uma questão de honra para nós", comentou Magagni. "Na verdade, o treinamento permeou cada procedimento seguido na certificação do nosso sistema da qualidade. Por exemplo, veja o nosso programa de auditoria. Nós já treinamos 45 auditores internos da qualidade e costumamos organizar cerca de 50 auditorias internas de SGQ - e agora de SGA - por ano, o que significa quase uma auditoria por semana. É bastante para uma empresa do nosso porte. Afinal, não somos uma multinacional americana". Magagni também enfatizou o impacto positivo que a implementação dos requisitos para sistemas de gestão produziu nos processos de projeto. "A função de projeto é fundamental para os nossos produtos. Incluir nossos processos de projeto no sistema certificado pela ISO 14001 foi simplesmente uma questão de melhorar certos aspectos de natureza metodológica. Nada mais". Magagni mencionou que os processos de projeto da Ferrari são gerenciados como parte do SGQ no geral, não sendo, porém, incluídos no SGQ certificado pela ISO 9002, já que foram excluídos do escopo da certificação em 1996. "Contudo, os processos de projeto já foram avaliados pelo nosso organismo certificador e serão incluídos formalmente na próxima revisão do nosso certificado, que passará a ser baseado na ISO 9001:2000". Além disso, vistas sob a perspectiva do SGA, as atividades de projeto da Ferrari focalizam o seguinte:
"Veja, uma coisa é ter uma imagem famosa, e outra completamente diferente é ter desempenho, confiabilidade e tudo o mais necessário para se estar à altura dessa imagem. Pode ser qualquer coisa, menos fácil! E quanto mais a sua imagem melhora, como aconteceu com a nossa nos últimos três anos, mais você tem de se colocar no caminho de sistemas certificados que sirvam de apoio. De outra forma, você estaria apenas blefando"! Em 2001, o primeiro ano completo em que a Ferrari teve um SGA baseado na ISO 14001 e um SGQ certificado, o produto da empresa passou por uma tremenda reviravolta. Após um período de calmaria, o carro de corrida e esportivo mais clássico do mundo - Ferrari - voltou em 2001 para embarcar num período de glória que não mostra qualquer indício de diminuição. Seu domínio nas corridas de Fórmula Um chegou a tal ponto que um fã alarmado reclamou: "Eles vencem tanto que já está ficando monótono"! Uma vitória histórica aconteceu nos Estados Unidos no dia 23 de junho de 2002, quando a pista Watkins Glen de Ithaca, Nova Iorque, foi o cenário da primeira vitória do belo F 360 GT, novinho em folha, da Ferrari, que chegou à linha final do GP de Carros Esportes com quatro voltas à frente de um Porsche. O setor comercial também quebrou o recorde nesse ano, com a entrega de 6.158 modelos da Ferrari e da Maserati para clientes finais e um aumento de pedidos em todo o mundo. Naquele dia, deixei Maranello embevecida com a mágica de uma obra-prima cujas linhas ostentam o frescor clássico de uma escultura de Canova, mas cuja cor - nascida do fogo - tem algo de místico, que, como seu progenitor, jamais poderá ser compreendido. Tradução:Marily Sales dos
Reis.
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