Julho/2004 Segurança Alimentar ONDE FALHAM OS MANUAIS DE BOAS PRÁTICAS DE MANUFATURA? Telma Galle (*) Certamente, muitas evoluções já foram efetuadas quando se fala em segurança alimentar, principalmente sob o aspecto técnico das legislações e das normas a respeito do assunto. Tanto nas indústrias como nas cozinhas industriais, também se pode perceber uma evolução, significativa, em que se evidencia a melhoria das Boas Práticas de Manufatura. Entretanto, apesar de tais melhorias, falhas no Manual das Boas Práticas são comuns. O Manual de Boas Práticas de Manufatura é o principal documento que irá nortear as regras higiênico-sanitárias nos estabelecimentos que manipulam alimentos. Decorre desse instrumento, personalizado para cada estabelecimento, a identificação e descrição de aspectos tais como: área externa, edificações, utensílios e equipamentos, controle de qualidade, saúde dos manipuladores, auditorias internas, tratamento de lixo, entre outros. É também esse instrumento que contém os procedimentos operacionais padronizados que nortearão: controle da potabilidade de água, controle de vetores e de pragas urbanas, recolhimento de produtos (recall), manutenção preventiva e calibração de equipamentos, higiene e saúde dos manipuladores, higienização de equipamentos, móveis e utensílios, qualificação de fornecedores de matérias-primas e de insumos e controle de resíduos. Visando ao aprimoramento do Manual de Boas Práticas de Manufatura, vamos apontar a seguir algumas das falhas mais usuais: a) o Manual não descreve a realidade da empresa Grande parte dos estabelecimentos que manipulam alimentos possui manuais que retratam as condições ideais das Boas Práticas de Manufatura, quando deveriam retratar a realidade da empresa. Por exemplo, se o piso é escuro e sua interseção com a parede é em ângulo reto, não existe motivo para se escrever: piso de cor clara e cantos arredondados na junção com as paredes. Isso apenas gera um completo desvio da prática de gerenciamento e de melhorias contínuas. Deve-se lembrar, também, que o manual é sempre específico, único para cada unidade. Muitos estabelecimentos ainda utilizam manuais de referência desenvolvidos no mercado, porém essa prática não atende às recomendações da legislação. Nessa mesma linha de descrição da realidade da empresa, cada planta de manufatura deve ter o seu Manual de Boas Práticas. Provavelmente, alguns procedimentos podem ser genéricos como, por exemplo, recebimento de matérias-primas. Isso não significa que os manuais devem ser genéricos, pois dificilmente as condições estruturais de edificação, área externa, equipamentos, móveis e utensílios possuem tal paridade, mesmo em plantas "teoricamente padronizadas". b) Planta baixa com a alocação de equipamentos e móveis A planta baixa do estabelecimento com a alocação de equipamentos e móveis é bastante importante e facilita a descrição de aspectos estruturais. Pela planta baixa, é possível identificar o fluxo de processamento dos alimentos, circunstâncias onde pode haver contaminações cruzadas, fluxo de descarte de lixo e, até mesmo, agregar o mapa do anel sanitário para controle de vetores e de pragas urbanas. c) Metas e indicadores Como forma de estabelecer critérios gerenciais e de manutenção das Boas Práticas de Manufatura, é importante que o manual contenha ou faça menção a objetivos, metas e indicadores de níveis de conformidade com os requisitos das boas práticas. Esses parâmetros são fundamentais para o referencial das auditorias internas e para a análise crítica do sistema de segurança alimentar. d) Definição de atribuições e de responsabilidades É preciso compreender que o Manual de Boas Práticas de Manufatura é um instrumento que deve ter um caráter gerencial, portanto, a identificação ou menção de documentos que contenham as atribuições e responsabilidades das pessoas em relação ao funcionamento e manutenção do programa de boas práticas é de suma importância. A falta desse referencial dificulta a sustentabilidade do funcionamento das regras higiênico-sanitárias estabelecidas e, até mesmo, a atuação de chefes e encarregados do acompanhamento e verificação do programa de Boas Práticas de Manufatura. e) Controle de documentos e de registros O sistema de segurança alimentar exige o controle de vários documentos de origem interna (procedimentos, instruções de trabalho...) e externa (normas, especificações de clientes, legislações...), assim como dos vários registros que são executados para monitorar e verificar os processos e condições higiênico-sanitárias. Por isso, o manual deve conter ou indicar a forma de armazenamento, indexação, distribuição, proteção e recuperação de documentos e de registros. Deve-se ressaltar que, em ocasiões de crises, como ocorrências de toxinfecções, a desorganização de documentos e de registros pode dificultar a tomada de decisões e das ações pertinentes. Em alguns casos, a falta de controle de documentos e de registros pode até implicar em autuações e multas para o estabelecimento. f) Sistemática de auditorias internas Devem estar contidos no manual critérios, instrumentos utilizados para avaliação e programação das auditorias internas de Boas Práticas de Manufatura. A auditoria interna é uma ferramenta primordial para a averiguação da conformidade das condições higiênico-sanitárias que envolvem a manipulação dos alimentos, e constitui um excelente mecanismo para a manutenção do programa de boas práticas. Muitos manuais não cobrem esse item e nem o grupo de auditores internos. g) Gestão de recursos Deve-se definir e citar no manual os critérios através dos quais se dá a gestão de recursos para a manutenção das Boas Práticas de Manufatura. Ou seja, como a direção vê e disponibiliza recursos técnicos e financeiros para que as prioridades estabelecidas no plano de ações corretivas e de melhorias sejam implementadas ao longo do tempo. Cabe ainda citar a definição de recursos para treinamento dos colaboradores, tanto para transmitir novos conhecimentos, como para a reciclagem de conceitos. Não se pode subestimar que, no nível operacional, além de conhecimentos e de habilidades, é preciso desenvolver, permanentemente, atitudes e hábitos higiênicos dos manipuladores de alimentos. É em decorrência do programa de capacitação a construção de uma cultura de segurança alimentar. h) Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) Esses procedimentos também podem ser denominados como Procedimento Padrão de Higiene Operacional, no caso das empresas sob a égide do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Para essa questão, o importante é que os procedimentos obrigatórios sejam citados no Manual de Boas Práticas de Manufatura e estejam corretamente desenvolvidos, isto é, que contenham os critérios de monitorização, verificação e registros pertinentes, para se evidenciar o controle dos mesmos. i) Plano de melhorias O Manual de Boas Práticas de Manufatura deve conter como item final o plano de melhorias, ou seja, um conjunto de atividades a serem desenvolvidas ao longo do tempo, para que os requisitos estabelecidos pela legislação sejam efetivamente implementados. O plano de melhorias deve conter no mínimo a ação a ser desenvolvida e o prazo estimado, dando prioridade aos itens imprescindíveis (itens que possam ter influência direta nas condições higiênico-sanitárias do produto final). Como já foi citado, o Manual de Boas Práticas de Manufatura é muito
mais do que uma simples burocracia da legislação. È um instrumento de
suma importância que compõe, juntamente com a Análise de Perigos e de
Pontos Críticos de Controle (APPCC), a gestão do sistema de segurança
alimentar. Portanto, é preciso que seja devidamente elaborado,
disseminado e praticado pelas empresas que processam, distribuem ou
comercializam alimentos. (*) TELMA GALLE
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