Novembro/2004

Gestão da Qualidade

Proposta de reformulação do processo de 
certificação ISO 9001:2000

H. Lal
Presidente do Comitê Consultivo de 
Normas do
Bureau of Indian Standards

O lançamento da ISO 9000 estimulou uma reação sem precedentes na história da normalização no mundo empresarial. Pela primeira vez, um conjunto de requisitos da qualidade forneceu a base para um mecanismo de certificação independente e de "terceira parte" dos sistemas de gestão da qualidade, que estabeleceria a credibilidade de empresas fornecedoras e sua capacidade para fornecer produtos que satisfizessem o cliente.

Como resultado, empresas-clientes de qualquer lugar do mundo seriam poupadas de gastar energia e dinheiro com sua própria avaliação antes de fazer negócio com seu fornecedor. Agora que já temos mais de uma década de experiência com a ISO 9000, vamos avaliar se a certificação ISO 9000 atingiu seu objetivo original.

A julgar pelas opiniões expressas em vários fóruns, só podemos concluir que a certificação ISO 9000 ficou abaixo das expectativas. A principal razão para a complacência e práticas inadequadas na certificação ISO 9000 é que aquilo que a princípio deveria ser um serviço para a indústria está se tornando cada vez mais um negócio motivado pelo lucro.

Uma vez que o organismo certificador certifica uma empresa, ele espera que esse cliente seja para a vida toda, com faturamento contínuo sob a forma de honorários de acompanhamento e honorários de recertificação. Isso tem incentivado centenas de empresas a entrarem para o ramo da certificação, resultando numa intensa competição. Para serem competitivas, algumas certificadoras recorrem ao corte de despesas, empregando auditores mal pagos e/ou indevidamente treinados e reduzindo a quantidade de dias por auditor. Em alguns casos, a motivação de lucro tem resultado também em vários tipos de práticas anti-éticas como, por exemplo, estabelecer elos informais com organizações de consultoria e treinamento.

Existe entre os atores do ramo da certificação um conflito de interesses inerente. Por um lado, o organismo certificador é o examinador da empresa auditada. Por outro lado, a empresa auditada é o cliente que contrata o organismo certificador para prestar serviços em troca de honorários.

Num campo altamente competitivo, não é nada realista esperar que os auditores do organismo certificador sejam totalmente objetivos. Para o organismo certificador, é uma questão de reter ou perder um negócio de longo prazo. É por isso que pouquíssimas empresas têm sua certificação recusada e quase não ocorre suspensão ou cancelamento de certificados ISO 9000. Assim, uma das causas-raiz das práticas inadequadas na certificação é a relação cliente-fornecedor entre a empresa auditada e o organismo certificador.

Um outro ponto fraco do atual sistema de certificação é a tendência geral entre os auditores de focalizar principalmente as auditorias que rastreiam documentos e papéis. Pouquíssimo esforço é feito para verificar se os processos estão realmente sob controle ou se a qualidade do produto tem tido melhorias tangíveis.

A razão para se dar esse enfoque ao sistema de gestão e não aos resultados alcançados é que a maioria dos auditores são generalistas, que simplesmente concluíram um curso de cinco dias de auditor-líder, supostamente destinado a desenvolver habilidades de auditoria. Esses auditores não possuem o devido conhecimento sobre os produtos e processos para realizar uma auditoria técnica.

Percebendo a importância dessa questão, a nova norma ISO 19011:2002 exige que os auditores tenham conhecimento e habilidade em processos e produtos, incluindo serviços, que possibilitem ao auditor compreender o contexto tecnológico no qual a auditoria está sendo conduzida. Na prática, porém, muitos organismos certificadores não seguem estritamente esses critérios ao avaliarem seus auditores.

A série ISO 9000:2000 claramente identifica o cliente final de produtos e serviços como uma das principais partes interessadas; porém, o processo de auditoria de certificação não aborda os interesses dos clientes nem a falha em prover para o cliente garantias contra um desempenho insatisfatório por parte da empresa certificada.

Assim sendo, seria evidentemente o caso de se avaliar o atual mecanismo e os processos da certificação ISO 9000, a fim de atender seus objetivos originais e torná-la um eficiente veículo para facilitar o comércio mundial. Três pontos fracos principais do atual sistema deverão ser abordados nessa análise crítica:

1. A natureza comercial do relacionamento entre o certificador e a organização auditada.
2. A competência técnica dos auditores.
3. Prestação de contas por parte do organismo certificador aos clientes e usuários finais dos produtos e serviços da empresa auditada.

Nesse contexto, sugere-se o modelo a seguir como uma das soluções possíveis.

Novo modelo

A estrutura básica de três níveis dos organismos certificadores, organismos credenciadores e IAF (International Accreditation Forum - Fórum Internacional de Credenciamento - www.iaf.nu) é uma estrutura sólida. As alterações sugeridas a seguir estão relacionadas principalmente com a forma como os organismos credenciadores e os organismos certificadores realizam suas avaliações e interagem com as empresas solicitantes. As modificações propostas para o processo de certificação têm como objetivo "descomercializar" os serviços de certificação. As características relevantes do novo modelo são apresentadas a seguir:

Coordenação pelos credenciadores

A primeira etapa do modelo proposto consiste em estabelecer um organismo credenciador para cada país e exigir que todos os organismos certificadores do país busquem o credenciamento com esse organismo. Caso não seja possível estabelecer um organismo credenciador nacional num país, pode-se utilizar os serviços do organismo credenciador de um país vizinho. NR: No Brasil, o organismo credenciador é o INMETRO: www.inmetro.gov.br.

Todos os organismos credenciadores, em consulta com os organismos certificadores, especificam uma estrutura-padrão de honorários para certificações trienais e auditorias de certificação e acompanhamento para vários tipos e tamanhos de organizações, com base no número estimado de dias por auditor.

Para uma empresa que queira obter a certificação ISO 9001:2000, pede-se que a solicitação seja feita ao organismo credenciador nacional ou, na falta de um, ao organismo que serve o país. Esse organismo determina os honorários da certificação com base nos dados fornecidos pela empresa, que é orientada a encaminhar a taxa da auditoria de certificação e assinar um contrato-padrão para a auditoria.

Após receber os honorários e o contrato, o organismo certificador passa a solicitação para um de seus organismos certificadores credenciados, que tenha o perfil requisitado, mediante o valor combinado. O organismo credenciador deve desenvolver um sistema para uma distribuição justa dos negócios de certificação aos seus organismos certificadores.

Todas as atividades adicionais ligadas à certificação são realizadas através da interação direta entre o organismo certificador e a empresa solicitante, até que esta tenha recebido o certificado ou seja considerada inapta para a certificação. Quer a empresa auditada obtenha ou não o certificado, o organismo certificador recebe o valor especificado pela auditoria de certificação.

Processo de avaliação de credenciamento

Atualmente, os examinadores dos conselhos de credenciamento avaliam um organismo certificador assistindo a uma de suas auditorias. Dessa forma, o organismo certificador pode apresentar uma auditoria realizada numa empresa de alto nível pelos seus auditores mais competentes. Dificilmente se trata de uma amostra aleatória das auditorias realizadas pelo organismo certificador. É como oferecer uma amostra VIP para inspeção. Para corrigir esse ponto fraco, a equipe de examinadores do organismo credenciador deve reauditar um dos clientes do organismo certificador, selecionado aleatoriamente. O relatório dessa auditoria seria um indicador muito melhor da competência do organismo certificador.

Processo de auditoria de certificação

Além de realizar uma auditoria de adequação do sistema da qualidade documentado, o auditor do organismo certificador deve também verificar se os processos estão sob controle, testando novamente alguns produtos aceitos e comparando os resultados com o relatório de inspeção original, a fim de garantir a integridade da documentação. A auditoria de certificação deve também verificar se os objetivos planejados da qualidade foram alcançados.

Prestação de contas aos clientes

Caso um cliente adquira um produto ou serviço de um fornecedor certificado ISO 9001:2000 e este tenha um desempenho insatisfatório, não se deve permitir que o organismo certificador escape à responsabilidade moral.

Embora não seja possível responsabilizar legalmente o organismo certificador, deve-se tomar providências para que o cliente insatisfeito possa apresentar sua reclamação junto ao organismo certificador. Este deve então ser obrigado a investigar a reclamação e corrigir o problema junto ao fornecedor. Assim, o medo de perder a certificação motivará o fornecedor a satisfazer o cliente. Essa providência, se devidamente implementada, agregará tremendo valor ao sistema de certificação no que se refere aos clientes finais e usuários finais.

Essas simples alterações no processo de certificação podem transformar as auditorias de certificação em um mecanismo diferenciador, pelo qual apenas as empresas que tenham implementado devidamente as normas ISO 9000, com resultados comprováveis, poderão obter e manter a certificação. Isso será de extremo valor para os clientes finais, cuja fidelidade simplesmente poderá sustentar todo o negócio da certificação.

Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP.

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