H. Lal
Presidente do Comitê Consultivo de
Normas do Bureau of Indian Standards
O lançamento da ISO 9000 estimulou uma reação sem precedentes na história
da normalização no mundo empresarial. Pela primeira vez, um conjunto
de requisitos da qualidade forneceu a base para um mecanismo de
certificação independente e de "terceira parte" dos sistemas de
gestão da qualidade, que estabeleceria a credibilidade de empresas fornecedoras
e sua capacidade para fornecer produtos que satisfizessem o cliente.
Como resultado, empresas-clientes de qualquer lugar do mundo seriam poupadas de
gastar energia e dinheiro com sua própria avaliação antes de fazer negócio
com seu fornecedor. Agora que já temos mais de uma década de experiência
com a ISO 9000, vamos avaliar se a certificação ISO 9000 atingiu seu objetivo
original.
A julgar pelas opiniões expressas em vários fóruns, só podemos concluir que
a certificação ISO 9000 ficou abaixo das expectativas. A principal razão
para a complacência e práticas inadequadas na certificação ISO 9000 é que aquilo
que a princípio deveria ser um serviço para a indústria está se tornando
cada vez mais um negócio motivado pelo lucro.
Uma vez que o organismo certificador certifica uma empresa, ele espera que esse
cliente seja para a vida toda, com faturamento contínuo sob a
forma de honorários de acompanhamento e honorários de recertificação. Isso tem
incentivado centenas de empresas a entrarem para o ramo da certificação,
resultando numa intensa competição. Para serem competitivas, algumas
certificadoras recorrem ao corte de despesas, empregando auditores mal pagos e/ou indevidamente
treinados e reduzindo a quantidade de dias por auditor. Em alguns casos, a
motivação de lucro tem resultado também em vários tipos de práticas
anti-éticas como, por exemplo, estabelecer elos informais com
organizações de consultoria e treinamento.
Existe entre os atores do ramo da certificação um conflito de interesses
inerente. Por um lado, o organismo certificador é o examinador da empresa
auditada. Por outro lado, a empresa auditada é o cliente que contrata o
organismo certificador para prestar serviços em troca de honorários.
Num campo altamente competitivo, não é nada realista esperar que os auditores
do organismo certificador sejam totalmente objetivos. Para o organismo
certificador, é uma questão de reter ou perder um negócio de longo prazo. É
por isso que pouquíssimas empresas têm sua certificação recusada e quase
não ocorre suspensão ou cancelamento de certificados ISO 9000. Assim, uma das
causas-raiz das práticas inadequadas na certificação é a relação
cliente-fornecedor entre a empresa auditada e o organismo certificador.
Um outro ponto fraco do atual sistema de certificação é a tendência geral
entre os auditores de focalizar principalmente as auditorias que rastreiam
documentos e papéis. Pouquíssimo esforço é feito para verificar se os
processos estão realmente sob controle ou se a qualidade do produto tem tido
melhorias tangíveis.
A razão para se dar esse enfoque ao sistema de gestão e não aos resultados
alcançados é que a maioria dos auditores são generalistas, que simplesmente
concluíram um curso de cinco dias de auditor-líder, supostamente
destinado a desenvolver habilidades de auditoria. Esses auditores não possuem o
devido conhecimento sobre os produtos e processos para realizar uma auditoria
técnica.
Percebendo a importância dessa questão, a nova norma ISO 19011:2002 exige que
os auditores tenham conhecimento e habilidade em processos e produtos, incluindo
serviços, que possibilitem ao auditor compreender o contexto tecnológico no
qual a auditoria está sendo conduzida. Na prática, porém, muitos organismos
certificadores não seguem estritamente esses critérios ao avaliarem seus
auditores.
A série ISO 9000:2000 claramente identifica o cliente final de produtos e
serviços como uma das principais partes interessadas; porém, o processo de
auditoria de certificação não aborda os interesses dos clientes nem a falha
em prover para o cliente garantias contra um desempenho insatisfatório por
parte da empresa certificada.
Assim sendo, seria evidentemente o caso de se avaliar o atual mecanismo e os processos da certificação ISO 9000,
a fim de atender seus objetivos originais e torná-la um eficiente veículo para
facilitar o comércio mundial. Três pontos fracos principais do atual sistema
deverão ser abordados nessa análise crítica:
1. A natureza comercial do relacionamento entre o certificador e a organização
auditada.
2. A competência técnica dos auditores.
3. Prestação de contas por parte do organismo certificador aos clientes e
usuários finais dos produtos e serviços da empresa auditada.
Nesse contexto, sugere-se o modelo a seguir como uma das soluções possíveis.
Novo modelo
A estrutura básica de três níveis dos organismos certificadores, organismos
credenciadores e IAF (International Accreditation Forum - Fórum Internacional
de Credenciamento - www.iaf.nu) é uma estrutura sólida. As alterações
sugeridas a seguir estão relacionadas principalmente com a forma como os
organismos credenciadores e os organismos certificadores realizam suas
avaliações e interagem com as empresas solicitantes. As modificações
propostas para o processo de certificação têm como objetivo
"descomercializar" os serviços de certificação. As características
relevantes do novo modelo são apresentadas a seguir:
Coordenação pelos credenciadores
A primeira etapa do modelo proposto consiste em estabelecer um organismo
credenciador para cada país e exigir que todos os organismos certificadores do
país busquem o credenciamento com esse organismo. Caso não seja possível
estabelecer um organismo credenciador nacional num país, pode-se utilizar os
serviços do organismo credenciador de um país vizinho. NR: No Brasil, o
organismo credenciador é o INMETRO: www.inmetro.gov.br.
Todos os organismos credenciadores, em consulta com os organismos
certificadores, especificam uma estrutura-padrão de honorários para
certificações trienais e auditorias de certificação e acompanhamento para
vários tipos e tamanhos de organizações, com base no número estimado de dias
por auditor.
Para uma empresa que queira obter a certificação ISO 9001:2000, pede-se que a
solicitação seja feita ao organismo credenciador nacional ou, na falta de um,
ao organismo que serve o país. Esse organismo determina os honorários da
certificação com base nos dados fornecidos pela empresa, que é orientada a
encaminhar a taxa da auditoria de certificação e assinar um contrato-padrão
para a auditoria.
Após receber os honorários e o contrato, o organismo certificador passa a
solicitação para um de seus organismos certificadores credenciados, que tenha
o perfil requisitado, mediante o valor combinado. O organismo credenciador deve
desenvolver um sistema para uma distribuição justa dos negócios de
certificação aos seus organismos certificadores.
Todas as atividades adicionais ligadas à certificação são realizadas
através da interação direta entre o organismo certificador e a empresa
solicitante, até que esta tenha recebido o certificado ou seja considerada
inapta para a certificação. Quer a empresa auditada obtenha ou não o
certificado, o organismo certificador recebe o valor especificado pela auditoria
de certificação.
Processo de avaliação de credenciamento
Atualmente, os examinadores dos conselhos de credenciamento avaliam um organismo
certificador assistindo a uma de suas auditorias. Dessa forma, o organismo
certificador pode apresentar uma auditoria realizada numa empresa de alto nível
pelos seus auditores mais competentes. Dificilmente se trata de uma amostra
aleatória das auditorias realizadas pelo organismo certificador. É como
oferecer uma amostra VIP para inspeção. Para corrigir esse ponto fraco, a
equipe de examinadores do organismo credenciador deve reauditar um dos clientes
do organismo certificador, selecionado aleatoriamente. O relatório dessa
auditoria seria um indicador muito melhor da competência do organismo
certificador.
Processo de auditoria de certificação
Além de realizar uma auditoria de adequação do sistema da qualidade
documentado, o auditor do organismo certificador deve também verificar se os
processos estão sob controle, testando novamente alguns produtos aceitos e
comparando os resultados com o relatório de inspeção original, a fim de
garantir a integridade da documentação. A auditoria de certificação deve
também verificar se os objetivos planejados da qualidade foram alcançados.
Prestação de contas aos clientes
Caso um cliente adquira um produto ou serviço de um fornecedor certificado
ISO 9001:2000 e este tenha um desempenho insatisfatório, não se deve
permitir que o organismo certificador escape à responsabilidade moral.
Embora não seja possível responsabilizar legalmente o organismo certificador,
deve-se tomar providências para que o cliente insatisfeito possa apresentar sua
reclamação junto ao organismo certificador. Este deve então ser obrigado a
investigar a reclamação e corrigir o problema junto ao fornecedor. Assim, o
medo de perder a certificação motivará o fornecedor a satisfazer o cliente.
Essa providência, se devidamente implementada, agregará tremendo valor ao
sistema de certificação no que se refere aos clientes finais e usuários
finais.
Essas simples alterações no processo de certificação podem transformar as
auditorias de certificação em um mecanismo diferenciador, pelo qual apenas as
empresas que tenham implementado devidamente as normas ISO 9000, com resultados
comprováveis, poderão obter e manter a certificação. Isso será de extremo
valor para os clientes finais, cuja fidelidade simplesmente poderá sustentar
todo o
negócio da certificação.
Texto traduzido por Marily Tavares Sales, do QSP.
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do QSP sobre conflito de interesses....